Steven Spielberg: como lidar com a história americana?
Globos de Ouro
Herdeiros de Spielberg?
A vitória de Ben Affleck nos Globos de Ouro deixou de fora o veterano Steven Spielberg. Em todo o caso, o seu trabalho em "Argo" decorre de uma atitude face à história dos EUA a que o realizador de "Lincoln" está longe de ser estranho.
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A vitória de "Argo", de Ben Affleck, nos Globos de Ouro (melhor filme - drama) envolve uma relativa surpresa que vale a pena sublinhar. Não por qualquer questão de "justiça" ou "injustiça" (isto não é um tribunal), nem porque os Globos de Ouro "antecipem" os Oscars (lugar-comum pacientemente desmentido pelas estatísticas). Antes porque Affleck representa, de facto, uma geração posterior àquela onde estaria, para muitos, o vencedor antecipado da noite: Steven Spielberg, com o seu "Lincoln" (que teve apenas uma distinção, para Daniel Day-Lewis, na categoria de melhor actor-drama).
Argumentista (partilhou com Matt Damon, em 1998, o Oscar de melhor argumento original, por "Good Will Hunting/O Bom Rebelde"), actor e realizador, Affleck, nascido em 1972 (ano em que Spielberg completou 26 anos), pode simbolizar a atitude dos que, embora nunca renegando os seus laços naturais com Hollywood, resistem a deixar-se diluir numa produção ocupada pelos critérios do marketing e a banalidade dos efeitos especiais. "Argo" é, afinal, uma evocação assaz realista de um drama vivido na revolução iraniana de 1979/80.
Nesta perspectiva, a clivagem geracional entre realizadores será mais simbólica do que estrutural, uma vez que, pelas suas escolhas temáticas, "Lincoln" e "Argo" parecem corporizar uma questão inerente a algum do mais interessante cinema americano dos últimos anos. A saber: a vontade lidar com a história dos EUA para além das convenções da tradição (do passado) ou das tendências mediáticas (do presente).
Na lista dos nove títulos candidatos ao Oscar de melhor filme do ano, podemos mesmo traçar uma linha de cumplicidade entre quatro deles: "Lincoln" e "Argo", claro, mas também "Django Libertado", de Quentin Tarantino (sobre a escravatura em finais do século XIX), e "00:30 Hora Negra", de Kathryn Bigelow (recriando o processo de captura de Osama bin Laden). Aquilo que os aproxima é a preocupação de enfrentar os dados contraditórios, factuais e mitológicos, da história americana, próxima ou distante. Para Spielberg, essa é uma atitude essencial, pelo menos desde o momento em que encenou a odisseia de um grupo de personagens afro-americanas em "A Cor Púrpura" (1985).
por João Lopes
publicado 15:56 - 14 janeiro '13