Alfred Molina, Jim Jarmusch e Steve Coogan — rodagem de

27 Jul 2019 14:03

“Os Mortos Não Morrem” é um filme em que Jim Jarmusch (n. 1953) brinca com a tradição cinematográfica dos zombies. Já o vimos a fazer paródias sobre “westerns”, “thrillers” e até comédias mais ou menos românticas. Ou seja: ele gosta, realmente, de abordar as narrativas clássicas através de uma ironia que pode ser muito cáustica. Em tudo isso permanece um gosto muito especial e, à sua maneira, muito militante pela música — entenda-se: pelo rock’n’roll e, em particular, pelo Rhythm and Blues. Escutemos "I Put a Spell on You".


Este é um registo do lendário Screaming Jay Hawkins, com data de 1956, utilizado por Jarmusch em 1984 no filme que o transformou em símbolo universal do cinema independente americano: chama-se “Para Além do Paraíso” e define de modo exemplar a lógica de muitas personagens do cineasta — figuras erráticas e errantes, numa paisagem suburbana, à procura da revelação de um destino. Em “Dead Man/Homem Morto”, um “western” metafísico lançado em 1995, tal lógica passava por uma notável banda sonora composta por Neil Young.


A relação de Jarmusch com a música é obviamente nostálgica. Mas não se trata de uma nostalgia banalmente contemplativa — ou auditiva, se quiserem. Há mesmo um dos seus filmes, “O Comboio Mistério”, de 1989, todo ele construído sob o signo de um assombramento musical. Assombramento, entenda-se, no sentido de maravilhamento. Tudo acontece através de três histórias românticas passadas num hotel de Memphis em que as canções de Elvis Presley são o mais belo dos fantasmas. Como é óbvio, o título, “O Comboio Mistério”, provém de “Mistery Train”, um dos primeiros temas gravados por Elvis nos Estúdios Sun — foi em 1955.


Como todos os criadores metódicos e, mais do que isso, obsessivos, Jarmusch desenvolve a sua obra como uma espécie de bloco-notas em que reaparecem, regularmente, os mesmos temas: a fragilidade dos laços humanos, a fronteira instável entre fidelidade e traição, a coexistência de comédia e tragédia. A tal ponto que, ao longo de uns bons 20 anos, foi filmando curtas metragens que eram variações sobre o lema “Café e Cigarros”. Em 2003, juntou tudo e lançou uma longa-metragem — “Café e Cigarros”, precisamente. Com toda a naturalidade, na respectiva banda sonora, podíamos escutar uma das canções de Gustav Mahler para poemas de Friedrich Rückert.


A voz é da admirável mezzo soprano inglesa Janet Baker. O que, entenda-se, não impedia que a música de Mahler coexistisse, sem complexos, com os sons pop e psicadélicos de “Crimson and Clover”, grande sucesso de Tommy James and The Shondells, lançado em finais de 1968.


Enfim, importa não esquecer que o amor de Jim Jarmusch pela música se exprime também pelas canções que ele, de alguma maneira, ajuda a criar para os seus próprios filmes. No caso de “Os Mortos Não Morrem”, Jarmusch convidou uma figura emblemática da música “country”, Sturgill Simpson, para compor a canção-tema. Deu-lhe como única inspiração a própria expressão do título: “The Dead Don’t Die” — tanto bastou para que os zombies passem a ter direito a um excelente emblema musical.

  • cinemaxeditor
  • 27 Jul 2019 14:03

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