Londres, rodagem de


joao lopes
6 Dez 2019 21:55

Sublinhemos, uma vez mais: apesar dos seus desequilíbrios interiores, o mercado cinematográfico português continuam a contar com o trabalho de alguns distribuidores e exibidores que não se esquecem da importância de cultivar as memórias. Dito de outro modo: as reposições de títulos mais ou menos "antigos", com inequívoca importância temática, histórica e simbólica, vão acontecendo com alguma regularidade.

Agora é a vez do prodigioso "De Olhos Bem Fechados" [título original: "Eyes Wide Shut"], derradeira realização de Stanley Kubrick (1928-1999). Com o passar do tempo, tornou-se uma referência de tal maneira forte na história do cinema que mesmo aqueles que nunca o viram saberão alguma coisa do protagonismo de Nicole Kidman e Tom Cruise, da demorada rodagem em Londres, enfim, da obsessiva exigência de perfeição de Kubrick nos mais pequenos detalhes dos actores, dos cenários, das luzes, dos movimentos de câmara.

"De Olhos Bem Fechados” está a fazer 20 anos, regressando em cópia restaurada. Lançada pela música de Dmitri Shostakovich, mais precisamente a Valsa nº 2 da sua Suite para Orquestra de Variedades, composta em 1938, por vezes identificada como Suite para Orquestra de Jazz (mesmo se não foi essa a designação escolhida pelo compositor), esta é a história do casal que vai, por assim dizer, experimentar os seus próprios limites.

Tendo como ponto de partida a "Traumnovelle" (1926), de Arthur Schnitzler, “De Olhos Bem Fechados” revive a miragem do romantismo para redescobrir a verdade dos fantasmas conjugais. Vale a pena, a esse propósito, revisitar o célebre diálogo sobre os homens e as mulheres, a fidelidade e a traição, entre Nicole Kidman e Tom Cruise.


Vinte anos depois, “De Olhos Bem Fechados” permanece um fascinante conto moral sobre o que somos, o que imaginamos ser e o que não sabemos que somos. O cineasta que já tinha assinado objectos incontornáveis como "Horizontes de Glória" (1957), "2001: Odisseia no Espaço" (1968) ou "Shining" (1980) manteve-se até final atento a esses cruzamentos ambíguos entre o ser e o não ser — eis a questão.

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