Lady Gaga no papel de Patrizia Reggiani — cinema, como se fosse uma ópera


joao lopes
28 Nov 2021 12:15

Não é todos os dias, de facto, que encontramos uma actriz a exibir este misto de fulgor e subtileza: no papel de Patrizia Reggiani, a mulher que se casa com Maurizio Gucci, herdeiro de um império da moda, Lady Gaga consegue essa proeza rara de definir uma personagem na encruzilhada de uma perversa ascensão social (a "plebeia" seduzida pela "nobreza") que não deixa de ser uma trágica história de amor.

Mérito da realização de Ridley Scott, sem dúvida, e também da dupla (Becky Johnston/Roberto Bentivegna) que escreveu o argumento de "Casa Gucci" a partir do livro "The House of Gucci: A Sensational Story of Murder, Madness, Glamour, and Greed" (2001), de Sara Gay Forden.
Não se trata, assim, de acumular peripécias mais ou menos pitorescas, muito menos de repetir clichés sobre os bastidores da moda… Este é um filme sobre gente viva, contraditória, num zuguezague permanente entre o poder e o dinheiro, o desejo e a possibilidade do crime.

Aliás, o retrato da decomposição afectiva e financeira do império Gucci possui todos os ingredientes de uma tragédia clássica. Mais do que isso: uma tragédia cuja vibração carnal se cruza com os artifícios de um espectáculo exuberante, dir-se-ia uma ópera — e Lady Gaga é, justamente, essa actriz que possui qualquer coisa de operático.

Não surpreende, por isso, que "Casa Gucci" aposte de forma radical naquilo que os heróis e super-heróis digitais nos querem fazer esquecer. A saber: as possibilidades infinitas de um actor/actriz face a uma câmara de filmar.
Adam Driver consegue compor o seu Maurizio com uma figura com tanto de banal como de misterioso. Jeremy Irons e Al Pacino, os irmãos que gerem a Casa Gucci, são ambos impecáveis, mantendo sempre uma exuberância emocional que sabe conter a sua própria expressividade. Sem esquecer o herdeiro infeliz interpretado pelo quase irreconhecível Jared Leto…
Enfim, "Casa Gucci" é um melodrama familiar serenamente clássico na sua estrutura e detalhes, a provar que o cinema (de língua inglesa, ou não) não deve cortar os laços com as singularidades do seu património. Fica um destaque muito especial para a sofisticada montagem de Claire Simpson, discípula e herdeira da grande Dede Allen.

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