Nelly Kaplan e Abel Gance (c. 1959) — uma singular aliança artística

14 Nov 2020 0:07

O seu filme "A Noiva do Pirata" (1969) entrou para a história como símbolo exemplar do feminismo dos anos 60: a realizadora francesa, de origem argentina, Nelly Kaplan faleceu no dia 12 de novembro, em Genebra, Suíça, vítima de Covid-19 — contava 89 anos.

Nas suas biografias mais "romantizadas", Kaplan surge tradicionalmente descrita como companheira da Nova Vaga, o que, convenhamos, é historicamente discutível. Claro que alguns dos seus títulos mais famosos — incluindo o documentário "Le Regard Picasso" (1967), sobre a exposição do Grand Palais por ocasião dos 85 anos do pintor, e "A Noiva do Pirata" — pertencem a um tempo muito marcado pelas convulsões daquele movimento. O certo é que a sua identidade artística passa, sobretudo, pelo trabalho com Abel Gance (1889-1981) e o envolvimento com o movimento surrealista.
Não tinha ainda completado 20 anos quando deixou Buenos Aires, a cidade onde nasceu em 1931, para viver em Paris como correspondente de vários jornais argentinos. Envolvendo-se no mundo das artes e das letras, o encontro com Gance seria decisivo, com ele colaborando, na dupla qualidade de argumentista e actriz, em "Austerlitz" (1960). Entre as suas primeiras curtas-metragens, inclui-se um retrato do seu mestre, "Abel Gance, Hier et Demain" (1963).
Cruzando drama e comédia, "A Noiva do Pirata" [trailer], com Bernardette Lafont na sua composição mais lendária, ficou como símbolo de um momento fulcral na história do feminismo. De alguma maneira, pode dizer-se que a personagem de Lafont em "Uma Bela Rapariga" (1972), de François Truffaut, existe como uma derivação romanesca, quase burlesca, do filme de Kaplan.

A sua derradeira realização, a comédia "Plaisir d’Amour", tem data de 1991. Autora de vários livros de ficção, publicou, em 2009, "Ecris-moi tes Hauts Faits et tes Crimes…", recolha da correspondência com André Pieyre de Mandiargues, outro nome ligado ao movimento surrealista. Já depois do falecimento de Gance, em 1984, evocou a sua abordagem da figura de Napoleão no documentário televisivo "Abel Gance et son Napoléon" .

  • cinemaxeditor
  • 14 Nov 2020 0:07

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