5 Jul 2018 21:56

O fotograma (ou melhor, o fragmento de fotograma) que ilustra este texto provém do filme "Shoah" (1985), de Claude Lanzmann. Nele vemos uma paisagem onde, durante a Segunda Guerra Mundial, existiu um dos campos de concentração construídos pelos nazis — ou como a visualização do mundo pode ser insuficiente para a nossa consciência histórica.

Falecido no dia 5 de Julho na sua casa de Paris (contava 92 anos), Lanzmann foi, de facto, alguém empenhado em lidar com as memórias do Holocausto para além de qualquer lógica banalmente "descritiva" ou "ilustrativa". Daí que os seus filmes, a começar pelo monumental "Shoah", sejam narrativas em que o impulso documental trata essas memórias a partir dos testemunhos falados — a palavra desafia e enfrenta o horror do que aconteceu.
Eis três referências fundamentais no trabalho de Lanzmann (além de "O Último dos Injustos", recordado em texto aqui ao lado).
> SHOAH (1985) — É um dos filmes centrais, porventura "o" filme central, na relação do cinema com o Holocausto: através de testemunhos muito diversos (incluindo vítimas e carrascos), contemplamos aquilo que se pode chamar uma verdadeira arqueologia crítica de um crime contra a humanidade [video: extracto de uma conversa de Lanzmann com Serge Toubiana, incluída na edição em DVD de The Criterion Collection].



> SOBIBÓR, 14 DE OUTUBRO DE 1943, 16 HORAS (2001) — Como o título desde logo sugere, trata-se de evocar acontecimentos muito precisos, vividos na voragem de um tempo angustiado: uma vez mais, através de testemunhos de pessoas que viveram os factos evocados, Lanzmann faz o retrato da revolta dos prisioneiros do campo de concentração de Sobibór, em território polaco.
> NAPALM (2017) — Não foi o derradeiro filme de Lanzmann, uma vez que ainda realizou "Les Quatre Soeurs", recuperando entrevistas que não integraram a montagem final de "Shoah". Poderá ser visto como um dos mais pessoais empreendimentos da sua obra, uma vez que se organiza a partir de uma visita do próprio Lanzmann à Coreia do Norte da actualidade, relembrando uma outra visita, em 1958, como membro daquela que foi a primeira delegação da Europa ocidental a ser recebida naquele país — um caso exemplar de cruzamento das memórias individuais com os dados da história colectiva [trailer].

Francês, nascido a 27 de Novembro de 1925 no seio de uma família de raízes judaicas, Lanzmann foi cineasta, jornalista, escritor e produtor. Através da sua amizade com Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, tornou-se colaborador da revista "Les Temps Modernes" em 1952, assumindo o cargo de director depois da morte de Beauvoir em 1986. Entre as muitas distinções que recebeu, incluem-se um César honorário, em 1986, na sequência do lançamento de "Shoah", e um Urso de Ouro honorário do Festival de Berlim, atribuído em 2013.
  • cinemaxeditor
  • 5 Jul 2018 21:56

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