O cineasta à procura do tempo perdido
Alain Resnais (1922 - 2014)

Obituário  

O cineasta à procura do tempo perdido

Autor de títulos marcantes da Nova Vaga francesa — a começar por "Hiroshima, Meu Amor" e "O Último Ano em Marienbad" —, Alain Resnais foi, afinal, um cineasta que experimentou todos os géneros, do drama à comédia, passando pelo musical — faleceu aos 91 anos de idade.

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Nascido em Vannes, na região de Morbihan, a 3 de Junho de 1922, o cineasta francês Alain Resnais faleceu no dia 1 de Março, em Paris — a notícia foi conhecida através do seu produtor Jean-Louis Livi. Resnais contava 91 anos — hospitalizado nas últimas semanas, não estivera presente no Festival de Berlim, onde o seu derradeiro filme, "Aimer, Boire et Chanter", integrou a secção competitiva (recebeu o Prémio Alfred Bauer e foi distinguido como o melhor título da competição pelo júri FIPRESCI/crítica internacional).

A primeira e decisiva imagem que temos de Resnais é, inevitavelmente, a de um dos grandes autores da Nova Vaga francesa. As suas duas primeiras longas-metragens — "Hiroshima, Meu Amor" (1959), cujo restauro digital foi recentemente editado em DVD, e "O Último Ano em Marienbad" (1961) — são objectos definidores de um tempo de revolução das linguagens cinematográficas, em particular nos critérios narrativos de montagem [video: entrevista de Resnais no momento de lançamento de "Marienbad"].


O certo é que, desde a década de 40, Resnais era um documentarista muito activo. Mesmo trabalhando, por vezes, a partir de encomendas, os seus filmes de curta ou média metragem — "Van Gogh" (1948), "Guernica" (1950), "Les Statues Meurent Aussi" (1953), etc. — foram consolidando uma visão empenhada em dar conta dos circuitos da memória, entendida como matéria estruturante da história individual e colectiva. Daí a importância fulcral de um filme como "Noite e Nevoeiro" (1955), sobre os campos de concentração construídos pelos nazis, os mecanismos da Solução Final e o horror do Holocausto [video: primeiros 10 minutos].


Se quisermos definir a obra de Resnais a partir de um tema aglutinador, poderemos, talvez, dizer que perpassa no seu universo o sentimento paradoxal de que a memória, no seu trabalho de fixação do tempo, envolve tanto de recuperação como de perdição. Ou ainda, para utilizarmos a sugestão incontornável de Marcel Proust, o tempo manifsta-se, não tanto como a coordenada que nos ajuda a situarmo-nos no devir histórico, mas sim a referência que nos está sempre a escapar.

O espectador que contacta pela primeira vez com estas referências poderá ser levado a pensar que Resnais foi um cineasta banalmente "experimental", enredado num universo mais ou menos fechado ou esotérico... Nada mais errado. Na verdade, tal como outros nomes da Nova Vaga (Godard, Truffaut, Chabrol), Resnais sempre se interessou em trabalhar com grandes nomes do cinema francês (e não só), evoluindo através dos mais diversos géneros, do drama à comédia. Alguns exemplos soltos:

> "A Guerra Acabou" (1966), sobre a herança política e emocional da Guerra Civil Espanhola — com Yves Montand.
> "Stavisky, o Grande Jogador" (1974), recordando um escândalo social e político na França da década de 1930 — com Jean-Paul Belmondo.
> "Providence" (1977), experiência em língua inglesa sobre as teias de memórias de uma família, envolvendo um elenco de dimensão internacional — com John Gielgud, Ellen Burstyn e Dirk Bogarde.
> "O Meu Tio da América" (1980), um dos maiores sucessos da carreira do cineasta, combinando a comédia dramática com os estudos do físico e filósofo Henri Laborit [video] sobre o comportamento humano — com Gérard Depardieu.


Alguns dos filmes finais de Resnais apostam na integração irónica, por vezes visceralmente cómica, da música, em particular de algumas grandes referências da tradição da canção popular. É o caso de "É Sempre a Mesma Cantiga" (1997), uma comédia romântica em que, em algumas cenas, os actores fazem playback [video: trailer] com temas muito populares da chanson française.


Encontramos em "É Sempre a Mesma Cantiga" os nomes de uma verdadeira troupe de actores que acompanhou o cineasta na fase final da sua filmografia, incluindo Sabine Azéma (casada com Resnais desde 1998), Pierre Arditi e André Dussollier. O último filme de Resnais lançado nas salas portuguesas, em 2010, foi "As Ervas Daninhas" [video: trailer].
 

Depois, realizou ainda "Vous N'Avez Encore Rien Vu", cuja estreia internacional ocorreu no Festival de Cannes de 2012 (inédito em Portugal), e o já citado "Aimer, Boire et Chanter" (título internacional: "Life of Riley" — já adquirido para o mercado português).

* Encyclopaedia Brittanica: biografia de Alain Resnais.
* BBC: obituário de Alain Resnais.

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publicado 16:39 - 02 março '14

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