joao lopes
17 Jul 2020 18:33

Eis um filme com evidentes ecos temáticos no presente, e para o presente: "O Que Arde" desemboca numa sequência de destruição pelo fogo de uma vasta área florestal na Galiza, levando-nos de imediato a associar as imagens das chamas aos dramas cada vez mais prementes da defesa do planeta e da procura de um (re)equilíbrio ecológico para a humanidade.

A realização de Oliver Laxe (38 anos, nascido em França, de ascendência galega) aposta, assim, num registo do fogo que possui uma intensa dimensão documental. E escusado será dizer que a duração de tal registo supera a brevidade e, não poucas vezes, o esquematismo de um convencional "clip" televisivo.
Resta saber como é que essa dimensão sustenta, ou pode sustentar, um filme cujo programa narrativo se vai esgotando num pouco envolvente simplismo dramático. A personagem central, Amador, é alguém que regressa à sua aldeia, para reencontrar a mãe, depois de ter estado preso, acusado, precisamente, de ser um incendiário…
Na ausência de qualquer trabalho de aprofundamento psicológico (ou até meramente informativo) dessa figura, "O Que Arde" vai-se embrenhando numa colecção de panorâmicas em que a paisagem da Galiza, por mais deslumbrante, não basta para emprestar densidade à ficção. E convenhamos que colocar Leonard Cohen na banda sonora também não é suficiente para emprestar consistência a uma deriva formal sempre à beira do formalismo…
Dir-se-ia que Oliver Laxe apenas reconhece como personagem a própria paisagem. Opção interessante, sem dúvida — seria um arriscado pressuposto de construção, mas que o filme está longe de assumir até às últimas consequências. No limite, Amador vai-se desmembrando como personagem, para não ser mais do que um pretexto, um figurante descartável ao serviço da câmara de filmar. Moral da história: o fogo narrativo não deve queimar as suas personagens.

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