Crítica: "A Solidão dos Números Primos"
O corpo é que paga
O livro "A Solidão dos Números Primos", de Paolo Giordano, é um best-seller escrito em parceria com o realizador Saverio Costanzo que deu corpos aos dois jovens fechados para o mundo por traumas de infância.
Os números primos são especiais e remetem para a metáfora do filme, jovens diferentes, virados para si próprios, fechados para o mundo e para os outros.
Alice e Matias os protagonistas da história não escolheram ser assim, mas sofrem os efeitos de acontecimentos traumáticos durante a infância e reagem sobretudo com o corpo.
Alice sofre de distúrbios alimentares, Matias faz golpes no corpo para se castigar de um erro do passado. O realizador Saverio Costanzo relaciona os dois jovens com os males de uma geração, a dos anos 80, retratada no filme e no livro, que perdeu o campo político de acção na rua e à qual resta apenas o corpo como ferramenta de protesto.
Os dois reconhecem-se como especiais e desde o momento em que se cruzam os seus caminhos não voltam a separar-se, embora nunca se juntem. São anti heróis para o cinema, deprimidos, deprimentes, tristes e solitários, e por isso são também personagens arriscadas e ao mesmo tempo belas e intrigantes.
O filme percorre vinte anos da vida dos dois, por vezes em excesso de carga, acentuando os traumas e fixando as duas personagens no tal mundo à parte. A narrativa não linear, funciona bem para quem não conhece o livro que fica suspenso na explicação dos acontecimentos do passado doloroso das duas personagens.
"A Solidão dos Números Primos' é um filme que não faz concessões ao espectador, aprofunda as feridas e abre crateras nas dores, é declaradamente triste e deprimente. Um filme de gente que sofre, que não tem salvação nem a procura, mas que à sua maneira encontra amor.
A carga dramática do filme pode ser por vezes um pouco asfixiante, não será uma escolha para todos os gostos, o que o torna um objecto corajoso. Saverio Costanzo dá corpo à dor e arrisca mostrar o que não se vê: sofrimento, traumas e tristeza generalizada de quem não desistiu do caminho, e se limita a sobreviver.