Cate Blanchett e Robert Redford — revisitando um drama vivido no interior da CBS


joao lopes
8 Abr 2016 20:25

Filme de estreia de James Vanderbilt (argumentista de "Zodiac", de David Fincher) na realização, "Verdade" corre o risco de ser algo desqualificado pela sua "repetição" do tema do recente e oscarizado "O Caso Spotlight". A saber: a desmontagem dos bastidores de um peculiar processo de investigação jornalística. Seria uma pena que tal acontecesse — estamos perante um filme (também) brilhante, muito subtil nas interrogações que formula.

Também aqui, trata-se de revisitar um caso verídico, tendo como personagens centrais Dan Rather, apresentador do programa "60 Minutos" (CBS), e a sua produtora Mary Mapes. Assim, em 2004, em plena campanha presidencial nos EUA, Rather veio denunciar o processo de favorecimento de George W. Bush, nos anos 70, quando teria sido "dispensado" de cumprir uma missão militar no Vietname…
Acontece que surgiram dúvidas muito sérias, e muito pertinentes, sobre a veracidade dos documentos que sustentavam tal alegação. Nesta perspectiva, "Verdade" é uma narrativa sobre os efeitos práticos e simbólicos de uma informação que não foi totalmente avaliada, mas também sobre os efeitos sociais e políticos da sua desqualificação. A saber: quando se quebra um elo na lógica jornalística, que outra(s) verdade(s) se insinua(m) no labirinto público da informação?
As admiráveis interpretações de Cate Blanchett (Mapes) e Robert Redford (Rather) bastariam para fazer de "Verdade" um objecto invulgar, capaz de preservar a complexidade do factor humano para lá de qualquer cliché dramático ou jornalístico. Acima de tudo, trata-se de contrariar a demagogia contemporânea com que, por vezes, o "jornalista" é promovido à condição de super-herói.
Fundamentado num realismo social muito estrito — e também muito clássico —, este é um herdeiro directo (por certo dos mais talentosos) de uma tradição liberal que possui um dos seus momentos mais emblemáticos em "Os Homens do Presidente" (1976), de Alan J. Pakula, sobre o Caso Watergate. Além do mais, o mínimo que se pode dizer de Vanderbilt é que, na dupla condição de argumentista/realizador, passa a ser uma voz fundamental na paisagem de Hollywood.

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