Carloto Cotta, Crista Alfaiate e João Nunes Monteiro: um jogo de espelhos, por amor do cinema


joao lopes
20 Ago 2021 0:37

Face ao misto de realismo e lirismo de "Diários de Otsoga", apetece dizer que estamos perante um filme fabricado em função das limitações impostas pelo Covid-19 — nessa medida, um filme sobre a pandemia. Mas não parece que o projecto seja mais ou menos "sociológico". Em boa verdade, talvez seja mais justo dizer que este é um filme de pandemia.

Dito de outro modo: os realizadores Maureen Fazendeiro e Miguel Gomes apostaram em construir um objecto cinematográfico que fosse menos um retrato e mais uma deambulação especulativa — tão séria quanto irónica e, por isso, singularmente envolvente — sobre a (im)possibilidade de fazer um filme em contexto pandémico.
Ou ainda: "Diários de Otsoga" consegue integrar um desejo de ficção capaz de preservar uma elegante dimensão documental. Assistimos, assim, ao dia a dia de uma equipa de filmagem (que, escusado será dizer, "coincide" com a equipa do filme) que viaja no ziguezague do tempo, questionando e questionando-se sobre como fazer cinema em pandemia — jogo de espelhos, prazer de filmar, amor do cinema.
Daí o efeito desconcertante, misto de candura e perversidade, do factor tempo no interior de "Diários de Otsoga". Enfim, creio que importa não ser demasiado explícito (e deixar em aberto a possibilidade de o espectador descobrir o "segredo" narrativo do filme), sublinhando apenas o carácter irredutível da aventura vivida pelos actores Crista Alfaiate, Carloto Cotta e João Nunes Monteiro — como se fossem cruzados nostálgicos de uma suave utopia, salteadores do tempo perdido.

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