Alba Rohrwacher observando a organização da paisagem — uma grande parábola religiosa?


joao lopes
10 Mai 2019 0:26

Estranhos tempos estes em que há filmes (muitos filmes, a meu ver…) que, na falta de genuínas ideias de cinema, procuram compensar as suas limitações com a criação de "eventos" mais ou menos estranhos, bizarros, pitorescos… Podem até ter curiosos pontos de partida, mas dir-se-ia que nada neles corresponde a um verdadeiro pensamento de cinema.

Assim me parece ser a produção italiana "Lucia Cheia de Graça", objecto inevitavelmente simpático pelo facto de colocar em cena uma premissa, no mínimo, desconcertante. A saber: uma mulher que trabalha como topógrafa, ao descobrir que uma determinada obra não está a cumprir algumas fundamentais determinações legais, recebe a visita de… Nossa Senhora!


Assim mesmo: "La Madonna" aparece à protagonista, confrontando-a com os terrenos, não materiais, mas da própria alma. Sugere-lhe, inclusivamente, que tome medidas drásticas (uma bomba?…) para desmantelar o estaleiro ferido de ilegalidade — eis uma componente fantástica, fantasista ou como lhe quisermos chamar que o filme acaba por tratar de forma ligeira e fútil, incapaz de se assumir como comédia do absurdo ou, porque não?, grande parábola religiosa.
O realizador Gianni Zanasi vai, assim, desperdiçando os trunfos que tem para jogar, mesmo não esquecendo que Alba Rohrwacher é uma actriz com a inteligência de não esgotar a sua Lucia numa caricatura mais ou menos pitoresca. Enfim, não poderíamos exigir a Zanasi que refizesse a energia simbólica do cinema de Pier Paolo Pasolini — lembremos o admirável "O Evangelo Segundo São Mateus" (1964) —, mas é inevitável reconhecer que "Lucia Cheia de Graça" esbanja as potencialidades do seu ponto de partida.

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