joao lopes
29 Abr 2016 22:43

Convenhamos que o cinema do tailandês Apichatpong Weerasethakul não é simples. Não porque haja no seu trabalho qualquer gosto mais ou menos obscurantista. Antes porque a nossa visão (europeia e ocidental) não pode deixar de reconhecer que os seus filmes lidam com referências culturais que, por vezes, parecem à beira do indecifrável — o interessantíssimo "O Tio Boonmee que se Lembra das Suas Vidas Anteriores" (que lhe valeu a Palma de Ouro, em Cannes/2010) poderá ser um exemplo esclarecedor desse movimento de aproximação e resistência.

Nesta perspectiva, talvez se possa dizer que "Cemitério do Esplendor", também apresentado em Cannes (secção "Un Certain Regard", 2015), constitui uma boa porta de entrada no seu universo. E isto porque aqui, mais do que nunca, se torna possível compreender uma fundamental linha de força do seu universo. A saber: a discreta, mas intensa, transfiguração da vida quotidiana em qualquer coisa que já pertence ao domínio do fantástico.

Em termos lineares, este é o retrato do dia a dia de um hospital, numa cidade do norte da Tailândia, ao serviço dos militares. Instalado nas antigas instalações de uma escola, o hospital acolhe soldados que parecem começar a passar para o lado do sonho, como se as coordenadas da vida material se dissolvessem nas brumas de um "além" que o próprio realizador gosta de designar como espiritual.

Este é um reflexo de um certo mal estar tailandês que, afinal, se exprime através de uma invocação de uma dimensão outra, porventura redentora, sem dúvida mais pacífica. Como se prova, não é a acumulação de efeitos especiais que gera estranheza ou perturbação; através de uma metódica gestão dos elementos da mise en scène (em particular na observação dos cenários), Apichatpong Weerasethakul mostra que o cinema não reproduz o mundo — dir-se-ia que produz novos mundos.

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