Paulo Rocha ou a arte de ser português
Isabel Ruth e Rui Gomes, em "Os Verdes Anos": o cinema de Paulo Rocha entre melodrama e tragédia

Cinema Português  

Paulo Rocha ou a arte de ser português

Passado, presente e futuro: a obra de Paulo Rocha conjuga os vários tempos do ser (e não ser) português. Ver ou rever os seus filmes será sempre, por isso mesmo, questionarmos as raízes da nossa identidade.

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Paulo Rocha (1935 - 2012) O fundador do movimento estético Cinema Novo morreu com 77 anos.

Difícil arte, esta de ser português. Ser ou não ser. Paulo Rocha foi um dos cineastas de tão assombrada encruzilhada e, não por acaso, o seu filme mais "estrangeiro", "A Ilha dos Amores" (1982), realizado durante a sua missão como adido cultural na Embaixada Portuguesa em Tóquio, emerge também como um dos mais visceralmente portugueses.

Ao percorrer a vida, a obra e o imaginário de Wenceslau de Moraes (1854-1929), Paulo Rocha propôs, afinal, a mais visceral visão da identidade portuguesa: "perdida" nas paisagens e culturas mais distantes, mas regressando sempre a uma nostalgia primordial, porventura utópica e inacessível.

Seja como for, neste momento em que o falecimento do cineasta nos conduz, inevitavelmente, à revisitação da sua obra, importa sublinhar também como o sentido de fuga do seu trabalho é indissociável do seu enraizamento nos espaços mais genuinamente portugueses.

"Os Verdes Anos" (1962) aí está como cristalino exemplo de um olhar que nasce, antes de tudo o mais, ligado à banalidade do quotidiano, pacientemente revelando a sua surpreendente e misteriosa densidade emocional. A história da paixão entre uma empregada doméstica (Isabel Ruth) de uma família de Lisboa e um rapaz vindo da província (Rui Gomes) decorre, afinal, de um complexo universo narrativo em que as nuances do melodrama podem desembocar na violência perturbante da tragédia.

Nessa perspectiva, aliás, "Os Verdes Anos", tal como "Mudar de Vida" (1966), nasce de uma disponibilidade para olhar o seu tempo que é um dos vectores mais esquecidos da geração do Cinema Novo. Na verdade, a novidade desse cinema não estava apenas, longe disso, na experimentação de novas linguagens. Ou melhor: tal experimentação só adquire o seu sentido pleno enquanto atitude ligada a uma exigente observação das condições de vida dos seres humanos, no aqui e agora da sua própria expressão.

A herança plural da obra de Paulo Rocha passa por aí. Nos tempos que correm é uma herança preciosa para, com ela e para além dela, lidarmos com os fantasmas do passado, as perplexidades do presente e os enigmas do futuro.

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publicado 19:34 - 29 dezembro '12

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