3 Set 2016 0:57

O que sobrou da austeridade em Portugal é o caminho para o novo filme de Marco Martins, a que o ator Nuno Lopes dá corpo, na pele de um pai a zelar pela sobrevivência da sua família, que aceita fazer cobranças difíceis.

O actor Nuno Lopes diz que tem ombros largos para ser pugilista no cinema. O realizador Marco Martins quis satisfazer-lhe o desejo, mas não queria cair na tentação de fazer mais um filme sobre um pugilista, ainda para mais porque "Belarmino" de Fernando Lopes é um dos filmes portugueses que mais gosta.

Nuno Lopes foi para o ginásio, povoado de seguranças de discotecas ou guardas prisionais, que treinam para manter o físico que as profissões exigem. E foi ali que encontrou a história de "São Jorge".

Marco Martins diz que não foi pela crise que a história do filme começou, mas a crise acabou por entrar pelo filme. Em tempos de austeridade, muitos destes homens, aceitam fazer trabalho de cobranças. Os alvos exercem as mais diversas atividades e pertencem a extratos sociais diferente, não conseguem pagar o que devem e têm medo de sofrer represálias físicas.

Foi assim que Marco Martins e Nuno Lopes encontraram a história de Jorge, um homem que precisa de ganhar dinheiro para manter o filho e tentar reconquistar a ex-mulher, uma imigrante brasileira que veio para Portugal, mas que sofre com a falta de oportunidades e que é vitima de comportamentos racistas.

A história deste homem é a de muitos portugueses confrontados com as dificuldades que surgiram em Portugal durante o período de crise e de assistência financeira. Por isso "São Jorge" parte de um drama pessoal e familiar para explorar uma dimensão mais global dos efeitos da crise.

Pela primeira vez em cinema, Marco Martins dirige um elenco não profissional, em colaboração com os trabalhadores dos estaleiros navais, com os quais fez um trabalho de pesquisa para uma peça de teatro.

São eles que povoam as cenas de contexto familiar onde a personagem de Nuno Lopes se insere. Não há guião para estas cenas, porque Marco Martins, considera que não são as suas palavras nem as suas ideias, mas são lamentos aos quais quis dar voz. Por isso filmou até que o tema de conversa esgotasse. Em alguns casos, as cenas duraram quatro ou cinco horas.

O contexto de improviso com os protagonistas que viveram a crise na pele, dá ao filme uma forte dimensão documental.

Apesar do personagem principal ser pugilista, não há muitas cenas passadas no ringue, mas há uma fisicalidade constante por conta de Nuno Lopes, o actor que dá (literalmente) corpo a um homem com um instinto de sobrevivência muito forte.

"São Jorge" é um filme que reflecte um tempo negro e duro do país, a partir de uma história singular que pode ser a de muitos portugueses que tiveram de encontrar soluções para o futuro.

Marco Martins fez um filme provavelmente irrepetível e Nuno Lopes em total sintonia, responde da melhor maneira.

  • Lara Marques Pereira
  • 3 Set 2016 0:57

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