Gael García Bernal e Vicky Krieps numa praia assombrada: à maneira clássica da série B


joao lopes
30 Jul 2021 0:18

Não é possível esconder a premissa de um filme como "Old", a nova realização de M. Night Shyamalan, realizador que com "O Sexto Sentido" (1999) inaugurou um capítulo temático muito pessoal, algures entre a tradição do terror e um sistema de peculiares nuances fantásticas.

Assim, tal como está explicado no respectivo trailer, "Old" centra-se num casal em férias (Gael García Bernal e Vicky Krieps), acompanhados pelos filhos: numa praia paradisíaca, começam a sentir que envelhecem a uma velocidade delirante — qualquer coisa como um ano de vida por cada meia hora que passa…

Dir-se-ia que, com a proximidade muito física da morte, lhes falta tempo para vencer a maldição do tempo. Como se o universo inteiro caminhasse para um apocalipse de paradoxal nitidez: tudo o que acontece desafia as regras (e, mais do que isso, as medidas) da natureza humana. O subtítulo português é esclarecedor: "Presos no Tempo".
Prevalece, afinal, o espírito de uma certa série B clássica em que o misto de surpresa e inquietação nasce, não exactamente de uma ameaça palpável, mas sim de qualquer "coisa" que perturba a organização do tempo. Penso, por exemplo, num dos mais belos clássicos da série B — "The Incredible Shrinking Man" (1957), de Jack Arnold — em que, depois de estar exposto a uma radiação atómica, um homem vai diminuindo de tamanho, a caminho de uma dimensão microscópica .

Será curioso referir que Shyamalan se baseou numa obra de banda desenhada do espaço francófono ("Château de Sable"). Na verdade, toda a concepção visual do seu filme, dos grandes planos muito aproximados até ao ritmo e aos cortes da montagem, parece decorrer desse universo em que a "reprodução" das relações humanas pode conter a insinuação de mundos tocados por um irracionalismo sem recurso.
Provavelmente, "Old" não está ao nível da sofisticação formal e da subtileza narrativa dos melhores filmes de Shyamalan, incluindo o já citado "O Sexto Sentido" ou "A Vila" (2004). Seja como for, ele continua a ser um exemplo modelar de um criador que utiliza o cinema como meio de discussão e superação da percepção comum, não como mera ostentação de efeitos (pouco) especiais.

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