Yves Montand e Jane Fonda — quatro anos depois de Maio 68

26 Ago 2016 2:07

A tradição do cinema francês envolve muitas formas de abordagem do mundo do trabalho. Ainda recentemente, tivemos o exemplo de "A Lei do Mercado", filme de Stéphane Brizé sobre um drama tendo por personagem central um vigilante de um super-mercado. Vale a pena recordar um dos exemplos mais admiráveis dessa tradição: "Tudo vai Bem", de Jean-Luc Godard.

As imagens e os sons de "Tudo Vai Bem" evocam Maio 68 e, ao mesmo tempo, por elaborados processos de distanciação, vão dando conta dos artifícios de linguagem do próprio cinema. Na prática, cruzam-se dois elementos fundamentais: por um lado, a memória ainda próxima das convulsões de 1968 e também dos impasses que se seguiram ("Tudo Vai Bem" foi lançado quatro anos depois, em 1972); por outro lado, a consciência de que um filme se deve apresentar, antes do mais, como um filme — que é como quem diz: não uma reprodução do mundo, antes um trabalho sobre a dificuldade de compreender o mundo.




Yves Montand e Jane Fonda eram, na altura, nomes grandes, respectivamente do cinema francês e da produção americana. Godard coloca-os em cena como uma espécie de náufragos de Maio 68: ele é um cineasta que, para sobreviver, aceita encomendas banais de publicidade; ela é uma jornalista americana sediada em Paris, à beira de ser reenviada para os EUA — através deles, o filme relança uma das mais velhas questões do universo godardiano: como é que se estabelece uma relação entre um homem e uma mulher? Tudo comentado, ironicamente, por uma canção de sucesso da altura, canção que garantia que o sol continuava a iluminar a França…



Em boa verdade, "Tudo Vai Bem" não era um filme exclusivamente assinado por Godard — a realização era repartida com Jean-Pierre Gorin. Godard e Gorin definiam-se como o Grupo Dziga Vertov (em homenagem ao grande mestre do cinema soviético) e "Tudo Vai Bem" foi o derradeiro título com que desmontaram as ilusões e desilusões de Maio 68 — um filme sobre um momento histórico muito complexo e uma grande lição de cinema genuinamente político.
  • cinemaxeditor
  • 26 Ago 2016 2:07

+ conteúdos