Telmo Martins projecta a segunda-longa metragem em 3D
Cinema Português • 3D
Telmo Martins planeia a primeira ficção portuguesa em 3D
O realizador de "Um Funeral à Chuva" anunciou que "Ground Zero", o seu segundo filme, será filmado em 3D. Como? O CINEMAX quis perceber melhor.
Existe cada vez mais interesse em explorar o 3D e em pôr o espectador literalmente dentro da história. Mas ainda vamos ter que esperar até 2012 para a estreia da primeira longa-metragem de ficção portuguesa em 3D real.
Chama-se "Ground Zero", está em fase de pré-produção e vai nascer das mãos do realizador Telmo Martins. Parece que vem aí uma espécie de ensaio sobre a morte com o potencial para nos deixar agarrados à cadeira.
Cinemax: O poster do filme dá-nos uma pista sobre o assunto. “O que aconteceria se soubéssemos o momento exacto da nossa morte”. Que mais pode dizer sobre este tema?
Telmo Martins: Muita gente está a confundir o tema, se calhar por nossa culpa. Algum do feedback que temos tido interpreta essa frase “como poderíamos evitar esse momento”. O conceito do filme não é esse. Embora exista alguma esperança no filme, e possa, ou não, alguém sobreviver a esse momento, o conceito do filme gira à volta de tomarmos isso como certo, não há possibilidade de escapar a essa data. A questão é se o ser humano sobreviveria até aí. Será que não ia matar alguém e ser assassinado por outra pessoa? Será que não se ia suicidar? Será que conseguiria continuar a lutar pelos nossos sonhos profissionais, sociais, políticos, religiosos… será que conseguiria continuar a caminhar na vida até essa data, ou desistiria de tudo imediatamente e criaria uma espécie de holocausto? Basicamente é impor ao ser humano essa realidade, e ver até onde é que ele resiste.
"Ground Zero" é um termo utilizado para marcar o ponto exacto dos danos mais graves de explosões ou catástrofe. É também o nome do local do World Trade Center após o 11 de Setembro. Há alguma ligação aqui?
Não, acaba por estar ligado mas só pelo nome, tematicamente não tem ligação.
É quase como se fosse o último teste, a última prova que nos é posta, a última fronteira. Vocês sabem que vão morrer neste dia… aguentam? Porque socialmente e inconscientemente construímos a nossa personalidade numa base de que nunca vamos morrer, somos imortais. A ideia é quebrar isso. Seríamos capazes de fazer o que fazemos, sermos quem somos, se soubéssemos a data exacta da nossa morte?
Neste caso como é que um preso, que quando sai da prisão tem apenas 10 horas para viver, encara isso… como é que um padre encara isso… como é que uma miúda de 12 anos com Trissomia 21, que sabe que vai morrer aos 12, encara isso… como é que uma pessoa com 70 anos, que sempre teve tudo, uma vida magnífica e todos os seus sonhos e objectivos cumpridos, sabendo que vai morrer aos 70 anos, se sente revoltada e entra em conflito socialmente com tudo… como é que ela encara isso…
Pode ser considerado um filme de suspense, terror?
O filme assenta num estilo de tensão, de terror muito psicológico, que tem a capacidade de nos fazer ter medo toda a vida de meter o pé dentro de água. Há sempre esse fantasma. Aborda o terror dessa maneira e o objectivo é fazer-nos pensar nisso para sempre. É um filme tenso, mas dramático e belo ao mesmo tempo, e esperançoso. Nós pensamos muito ao escrever o guião se acabaríamos com o filme sem hipótese, morre toda a gente e não vamos falar mais sobre isto, ou se por algum motivo há alguém que é muito especial, e que por ver as coisas que uma forma muito especial é poupado. Uma destas é a resposta do filme.
De onde é que surgiu a ideia para fazer esta longa-metragem?
Nós achamos que é urgente pensar-se no cinema em Portugal com várias possibilidades. Eu entendo o cinema como forma de arte, como quem pinta um quadro ou faz uma música. E quando o objectivo é que um produto seja uma obra de arte, à partida sabe-se que não é para chegar a toda a gente, que nem todos vão gostar e entender esse produto. Eu defendo que tem que existir uma outra forma de cinema também, porque as pessoas pedem-no. Tem que haver um cinema que crie indústria e que possibilidade a existência de várias formas de cinema. Umas a pender mais para a arte e outras para a parte comercial. E nós quisemos encontrar um tema que pudesse ir buscar um pouco a cada lado. Pegar na forma de arte, mais poética, mas também fazer com que toda a gente quisesse ver. E que ao mesmo tempo que estivesse a entreter, cultivasse, que ensinasse mais alguma coisa.
A opção 3D: "a tecnologia funciona em prol da história"Porquê em 3D?
Nós já trabalhamos em 3D há muito tempo. Na Lobby Productions, além do trabalho que fazemos e que nos encomendam, temos uma espécie de laboratório para podermos experimentar, evoluir, e juntar o que aprendemos dos trabalhos, pegar nesse conhecimento e explorá-lo ainda mais. E essa tecnologia já nos é muito familiar, já não há quase nada que nos possa escapar de como é ciar a percepção em 3D no cinema. Achámos que era fundamental para este filme que as pessoas se sentissem tridimensionalmente nesse espaço. Essencialmente para aumentar a carga de tensão dramática, e até em alguns momentos de uma comédia bastante negra. O filme justifica esta tecnologia e vamos utilizá-la em prol desta história.
O 3D vai ser conseguido através da captação de duas imagens em simultâneo, isto é, o chamado 3D estereoscópio. De onde vem o interesse por esta técnica?
Acontece muitas vezes a falsificação da tecnologia, e o espectador sente-o inconscientemente. É filmado com uma só câmara e depois a imagem é duplicada e tratada digitalmente, para se sentir alguma profundidade. Mas isso é falso, porque a informação da imagem direita é igual à da imagem esquerda. Isto vem da paralaxe: a imagem do olho esquerdo é ligeiramente diferente da do olho direito. E para resultar verdadeiramente e iludir o processo óptico e cerebral da composição do volume e do espaço, tem que se filmar com duas câmaras e simular o mais perto possível o processo de um olho ver uma imagem e do outro olho ver outra. As imagens são diferentes e possibilitam ter uma informação espacial verdadeira, e não falsificada. Que é o que foi feito no "Avatar" e é o que nós pretendemos fazer.
O título e a tagline do filme são em inglês. O filme também vai ser rodado em inglês?
Nós não queremos que este filme fique em Portugal, porque temos consciência que não há nenhum filme que possa sobreviver num só país. Então decidimos situar o espectador nesta realidade do filme, e depois fechar o filme em quatro histórias distintas, que se juntam no fim, e queremos que cada uma delas se passe em países diferentes. Brasil, Portugal, Espanha e Inglaterra. E destas línguas todas, que vão estar no filme, optámos pelo inglês para a comunicação, por nos permitir universalizar mais o filme, para chegar a mais gente.
O orçamento é próximo de um milhão de euros. Que apoios é que já conseguiram ou estão a tentar arranjar para este projecto? Para o filme "Um Funeral à Chuva" não conseguiram apoios financeiros do ICA, Instituto do Cinema e Audiovisual. E desta vez?
Nós já tentamos conseguir apoios do ICA há muito tempo. Nós já produzimos muitos trabalhos. Começámos em curtas e uma delas até foi distribuída em 15 países, traduzida em cinco línguas, esteve em grandes festivais do mundo inteiro, ganhou prémios, foi distribuída em DVD, comprada pela FNAC, pela EuroChannel e foi exibida pela Lusomundo em cinema. Isto é uma delas… Depois fizemos o "Um Funeral à Chuva", sem dinheiro, que teve o sucesso que teve com os poucos meios que tínhamos. Conseguimos que a Lusomundo gostasse do filme, apostasse nele e o colocasse em 20 salas. Os DVDs que foram editados foram todos vendidos numa semana e tivemos uma boa percepção do que o espectador gostou do filme. Depois de tudo isto não sabemos o que podemos fazer mais para o ICA olhar para nós e nos dar uma oportunidade. Embora estejamos em negociações com os outros países e canais de televisão e outras produções para que paguem, em cada país, um bocadinho do filme, é essencial que o ICA, e o país, de uma vez por todas, acreditem em nós, na nossa capacidade de produção e no que somos capazes de fazer.
"Um Funeral à Chuva" teve pouco mais de 9000 espectadores. Foi um número satisfatório? Que prevê para "Ground Zero"?
No "Um Funeral à Chuva" não tivemos qualquer apoio de promoção. O
ICA e a RTP têm um protocolo, mas como não recebemos apoio do ICA,
também não pudemos passar o trailer gratuitamente na RTP, tivemos que
pagar 6.000€ para isso, tudo o que tínhamos. Isto tem que acabar. É
importante mudar estes privilégios e apoiar os produtos culturais e
portugueses. E isso depois reflecte-se no número de espectadores,
obviamente. Quando um filme português está em concorrência com
blockbusters, e quase não há promoção, é difícil. Mesmo assim em 23
filmes portugueses ficámos em 6º mais visto de 2010. Se calhar com
dinheiro tínhamos conseguido muito mais. Eu espero que não me aconteça a
mim e ao grupo de pessoas que se esforça por se manter em Portugal, o
que está a acontecer a milhares de pessoas. Isto é, cansarem-se e
irem-se embora. As pessoas cansam-se de lutar e de se esforçarem sem
reconhecimento. Portanto cabe a este país, e às pessoas que têm algum
poder, decidir para onde é que isto vai.
Há algumas influências que assuma enquanto realizador?
A minha principal influência é a vida. Eu sou muito observador, estou constantemente a observar as pessoas, o cartaz que está na rua, o som que ouço, e faço um esforço por absorver tudo o que vivo e todos os sentimentos pelos quais eu passo. Muitas vezes posso estar muito alegre ou muito desesperado num momento, mas o meu objectivo é lembrar-me desse sentimento, desse momento. Porque se eu não me lembrar dele não vou conseguir passá-lo em imagem ou na escrita de um guião. Depois há as referências de tudo o que vês, da realidade dos outros que o põem em cinema. Eu tento ir buscar um bocadinho a cada um dos realizadores e a cada momento da minha vida e da vida das pessoas que conheço e observo. E construo um filme com cada um desses bocadinhos.
A Lobby Productions, produtora da qual é sócio, está sedeada na Covilhã. Sente que existe algum tipo de menosprezo por não ser de Lisboa?
Sentimos que sim, infelizmente, e estamos cansados, fartos. Já perdemos muitos e grandes trabalhos por estarmos na Covilhã. Apresentamos a nossa ideia e é aprovada, o nosso orçamento e é aprovado, mas quando dizemos que estamos na Covilhã nunca mais nos contactam. Não posso negar que sinto que há um preconceito gigante. Inconscientemente acha-se que se não se está em Lisboa é impossível ter conhecimento, porque o conhecimento não chega ao interior, não chega à serra. Mas lutamos todos os dias para provar que a qualidade, o conhecimento e o profissionalismo podem estar em qualquer sítio. Acho que está na hora de eliminar este preconceito.
por Cinemax
publicado 00:37 - 04 fevereiro '11