Crítica: "Tournée - Em Digressão"
Um homem entre mulheres
"Tournée - Em Digressão" é o quarto filme que Mathieu Amalric dirige onde presta homenagem ao burlesco e às mulheres que protagonizam esta arte performativa.
Mathieu Amalric é um valor alto do cinema francês, actor conceituado (dentro e fora do país) e também reconhecido enquanto realizador no festival de Cannes 2010. Em "Tournée - Digressão", ele assume pela primeira o papel simultâneo de reazalidor e actor principal, assumindo Joaquin, a personagem d um produtor de televisão francês que se zangou com o país e rumou a América.
É de lá que vem rodeado de mulheres vistosas, espampanantes e artistas. Elas são estrelas norte americanas do novo burlesco, e é ele que as convence a fazer uma tournée em França. O calendário de espectáculos em pequenos teatros, ainda vai mantendo lugar para o tão ambicionado regresso de Joaquin a Paris, cidade onde quer voltar a brilhar.
Mathieu Amalric constrói a personagem de Joaquin com pedaços de vida, de realidade e de figuras que conhece bem. Há mais de 20 anos que anda pelos bastidores do cinema e começou como assistente de produção. Paulo Branco é um dos produtores que o inspirou, e ao português foi buscar a garra com que se debate para vencer as circunstâncias, as promessas necessárias para fazer avançar um projecto, a dose de loucura, ousadia e persistência com que alimenta a profissão.
Chegou a pedir a Paulo Branco para vestir a personagem, mas acabou por decidir de outra forma e manter o bigode do produtor. O resto é uma construção ficcionada do tarefeiro típico de envelope na mão, correndo hotéis baratos, controlando tudo por trás das cortinas, e até as horas de dormida e as refeições, é o produtor de pequenos esquemas e de grandes sonhos.
"Tournée - Em Digressão" é uma homenagem a esta linhagem de pequenos heróis que se espalham pelo mundo do espectáculo, e neste caso, é também a hipótese de uma nova vida para o burlesco. Uma arte de perfomance com sentido crítico, onde as mulheres são protagonistas e também criativas. Decidem os números, o guarda-roupa, os movimentos. Joaquin é apenas o homem entre elas, levado pelo fascínio que parece alimentar por mulheres grandes, de curvas e formas generosas e de corpos que não cabem dentro das dimensões que hoje em dia parecem dominar o mundo do espectáculo.O filme foi rodado em tournée, ou seja, o elenco de estrelas do burlesco viajou por França a dar espectáculos e a enfrentar público. Dirty Martini, Mimi Le Meaux, Julie Atlas Muz, Kitty on the keys e Evie Lovelle são as protagonistas, estrelas do nono burlesco, que acederam ao convite de Mathieu Amalric. E são elas que se mostram em palco nos bastidores, como se a câmara não existisse.
O registo documental conseguido por Mathieu Amalric é um dos grandes trunfos do filme. O outro é a capacidade de misturar comédia com os resquícios emocionais que trazem o produtor de volta a casa. Ele não será bem recebido, ele nunca mais será o mesmo, e nem o sucesso será na mesma medida, mas resta-lhe o outro lado, o espectáculo vivo das mulheres que o rodeiam e que já se transformaram na família e no lar que ele perdeu.