Jessica Chastain e Idris Elba — na teia do dinheiro e da lei


joao lopes
4 Jan 2018 13:37

Como filmar o dinheiro? A pergunta envolve questões temáticas e formais que, inevitavelmente, marcam qualquer filme que a formule. Porque não se trata apenas de colocar em cena o "valor" do dinheiro nas trocas de objectos e mercadorias — em última análise, filma-se o modo como o dinheiro marca e transfigura as próprias relações entre as personagens, porventura discutindo a sua humanidade. "Jogo da Alta Roda" ["Molly’s Game"], de Aaron Sorkin, é um filme instalado no coração de tudo isso.

Sorkin é, afinal, um dos grandes criadores de histórias do actual cinema americano. Estreando-se aqui na realização, a sua assinatura como argumentista está presente em objectos tão especiais como a série televisiva "Os Homens do Presidente" (1999-2006) e "A Rede Social" (2010), de David Fincher, este tendo-lhe valido o Oscar de melhor argumento adaptado. Agora, debruça-se sobre a trajectória singular e atribulada de Molly Bloom, uma promotora de jogos de poker que acabou a ser investigada pelo FBI (o filme baseia-se no livro que ela própria publicou).
A história envolve nomes emblemáticos da cena "hollywoodiana", participantes dos jogos organizados por Molly, incluindo Tobey Maguire, Ben Affleck e Leonardo DiCaprio. Em qualquer caso, não é essa a questão central do filme (tais nomes não são, aliás, identificados). Para Sorkin, tratou-se, sobretudo, de organizar uma rede de factos capaz de expor o poder ambíguo do dinheiro — esta é uma parábola sobre a acumulação de riqueza e o seu contrário, sobre partilhar dinheiro e, no limite, já não haver relações humanas.
Daí a complexidade da própria personagem de Molly. Por um lado, compreendemos que o seu salto para o abismo e, a certa altura, a acção conjunta com o seu advogado (Idris Elba) correspondem à necessidade interior de resgatar a sua própria identidade; por outro lado, vamos descobrindo como tal processo remete para memórias antigas, em particular na sua relação com o pai (Kevin Costner). Nesse ziguezague de emoções, palavras e silêncios, Jessica Chastain confirma-se um prodígio de talento e subtileza — uma actriz fora de série para o primeiro grande filme de 2018.

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