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Uma tradição italiana que se renova

Revelado no Festival de Veneza de 2020, "As Irmãs Macaluso" faz o retrato de uma pequena tribo sem figuras paternas, num registo de ficção que tem qualquer coisa de "reportagem".

Uma tradição italiana que se renova
As cinco personagens de Emma Dante, aqui no primeiro capítulo de "As Irmãs Macaluso"
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 Uma tradição italiana que se renova
As Irmãs Macaluso Maria, Pinuccia, Lia, Katia e Antonella são cinco irmãs que vivem num apartamento em Palermo. Ganham a vida alugando pombas para cerimónias. Num dia normal, na praia, Antonella morre acidentalmente. A morte irá transformar para sempre a as relações das irmãs.

Doze actrizes para interpretar cinco personagens — eis a curiosa proeza de "As Irmãs Macaluso", produção italiana realizada por Emma Dante, estreada na edição de 2020 do Festival de Veneza.

Dito de outro modo: estamos perante uma saga de muitas décadas — infância, idade adulta, velhice — em que tudo se joga nessa ambivalência das personagens que persistem através da transformação dos corpos.

Trata-se, afinal, de relançar uma dimensão visceral que pontua toda a história do cinema italiano, com inevitável destaque para o seu período clássico. Penso, por exemplo, nos exemplos modelares de Dino Risi ou Luigi Comencini, cineastas cuja segurança artesanal sempre se combinou com um sentido apurado das componentes psicológicas e sociais.

O que Emma Dante coloca em cena é, afinal, a desencantada acumulação do tempo, o seu carácter implacável e irreversível. Quer isto dizer que aquela pequena tribo da cidade de Palermo funciona como um microcosmos de um tempo em que o enfraquecimento das figuras paternas (neste caso, mesmo ausentes) envolve uma inevitável reconversão da condição filial.

A afirmação de vida, a maturidade e o horizonte da morte definem, assim, as coordenadas dramáticas de um filme enraizado numa crença profunda nas potencialidades das suas intérpretes. Como se Emma Dante, ainda que elaborando uma ficção, seguisse um método de "reportagem": a câmara acompanha as cinco irmãs como quem procura essa espontaneidade paradoxal que nasce de uma cuidada elaboração narrativa — poderá dizer-se que tal dinâmica nem sempre resulta da mesma maneira, mas o risco que implica merece toda a admiração.

Crítica de João Lopes
publicado 23:22 - 03 dezembro '21

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