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Veneza, dia 4: a comédia social de Ozon
"Potiche" entusiasma em Veneza com as suas cenas da vida doméstica e da luta de classes. Questões da década de 70 que continuam actuais
A revolução passa pelo novo filme de François Ozon. Em 1977, quase anos 80, um empresário atormentado por uma greve que paralisa a produção da fábrica de guarda chuvas, é forçado a retirar-se de cena. A crise da empresa é subitamente gerida em família e a sua esposa, uma mulher dedicada aos afazeres domésticos e que se entretém a compor poemas, avança para o olho do furacão ao assumir a gestão da fábrica.
Catherine Deneuve é Potiche (a expressão francesa aplica-se a um vaso decorativo sem valor, no caso trata-se de uma mulher convertida em troféu doméstico que o marido exibe), a esposa dedicada que se revela uma gestora moderna - resolvendo de forma criativa os problemas da fábrica ela muda uma série de paradigmas e provoca um ampla revolução.
Ozon adaptou uma peça teatral de Pierre Barillet e Jean-Pierre Gredy com agenda feminista e social. "Potiche" aborda a emancipação das mulheres, a relação económica entre poderes públicos e privados, o confronto entre patronato e sindicatos, o papel social das empresas e a deslocalização das companhias.
O filme está carregado de estereótipos - o patrão explorador, a secretária que é amante, a mulher que fecha os olhos ao comportamento do marido, o autarca comunista, os operários obcecados com as regalias - e sabemos como Ozon adora acentuar essas figuras através das interpretações exuberantes, do guarda-roupa irrepreensível e dos adereços certos.
É a sua primeira comédia desde 2002, quando realizou "8 Mulheres", e a comparação entre ambos permite perceber do que estamos a falar: mistura humor e melodrama, brinca com os géneros cinematográficos e Catherine Deneuve lidera com autoridade um elenco competente.
É uma comédia com uma energia transbordante, que está a entusiasmar o festival de Veneza e que vai encontrar o seu público num contexto de crise na Europa. Sim, a luta de classes passa por aqui, com um foco retro que remete para a década de 70, o que permite reflectir de forma mais descontraída várias questões sociais pernitentes do nosso tempo.
por Tiago Alves
publicado 10:16 - 18 janeiro '11