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Veneza, dia 5: a autópsia de Allende
O chileno Pablo Larrain confirma, em Veneza, que é um dos novos talentos do cinema sul-americano
Quando Salvador Allende morreu, em Setembro de 1973, na sequência do golpe militar que conduziu Augusto Pinochet ao poder, o cineasta Pablo Larrain ainda nao tinha nascido. Hoje, ele olha para esse tempo como um período misterioso, uma época que não consta da sua memória.
O seu esforço para compreender essa época decisiva de transição entre o período democrático e a posterior ditadura militar levou-o a retratar a figura peculiar de um Travolta chileno ("Tony Manero", exibido em Cannes e estreado este ano em Portugal).
Em "Post Mortem", o seu terceiro, Larrain observa o efeito do golpe militar através da perspectiva de Mário, um funcionário do Instituto de Medicina Legal Chileno. A existência de Mário parece indiferente às convulsões e dinâmicas sociais que marcaram a sociedade chilena durante a governação de Allende. Alheado, ele vive entre entre a morgue onde trabalha e a sua casa, frequentando um teatro com espectáculos de cabaret, onde conhece uma bailarina com a qual deseja casar.
O golpe militar altera drasticamente as suas rotinas, à medida que os corredores e salas do Instituto de Medicina Legal ficam atafulhados de cadáveres. Em plena convulsão ele é escalado para acompanhar a autópsia de Salvador Allende e redigir a certidão de óbito.
"Post Mortem" é o primeiro filme a encenar essa autópsia, o que poderá ter um certo impacto junto do público chileno, mas Larrain não tem uma perspectiva ideológica, nem pretende gerar controvérsia. O dispositivo surge como uma abstração que permite transitar entre realidades históricas, estabelecendo um compromisso subconsciente com a ditadura que se instalou.
"Post Mortem" é um filme onde Larrain prossegue o seu trabalho de composição realista, mas desta vez ele alcança um realismo algo absurdo e assombrado por fantasmas. É um filme-autópsia, rigoroso, que nos mostra como pode ser desconfortável encarar o que um cadáver tem para dizer.
>Ouça a crítica de Tiago Alves
por Tiago Alves
publicado 10:16 - 18 janeiro '11