Box Office • Cinema Norte-americano
"West Side Story": longe da realidade
Ser Spielberg já não chega para transformar um antigo musical num sucesso de bilheteira.
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"West Side Story" é um dos musicais mais reverenciados de sempre, tanto na forma teatral, criada e coreografada por Jerome Robbins, com música de Leonard Bernstein e letras de Stephen Sondheim (que nos deixou há poucos dias) como no cinema, onde Robbins e Robert Wise dirigiram Natalie Wood, Richard Beymer e Rita Moreno no que seria um sucesso de bilheteira (19,6 milhões de dólares, o equivalente a 182 milhões a preços atuais), o filme mais popular de 1961, e o recordista de Óscares obtidos por um musical (10 incluindo melhor filme entre 11 nomeações).
Tudo isto e o facto de estar Spielberg ao leme do projeto explica, mas apenas até certo ponto, o entusiasmo em redor da nova versão. Agora que o filme estreou, com números de bilheteira baixos dentro e fora da América, seria de esperar uma análise mais assertiva por parte da imprensa que cobre o negócio do cinema e que designamos de forma genérica como "os trades". No entanto, o ambiente geral parece ser de choque. No Variety
lê-se "resultado sombrio para um filme da sua escala e alcance" e
lembra-se que é "um dos filmes com melhores críticas do ano". Outro
texto, apesar de reconhecer a falta de apelo do filme apresenta o resultado como "uma chocante decepção". No The Hollywood Reporter fala-se do "mais recente drama para adultos em dificuldades na era pandémica". Por fim, o Deadline, aponta na direção de uma má escolha de data e pensa que o filme ainda poderá recuperar nas próximas semanas.
Todos falham o ponto essencial: o consumo de cinema em sala mudou, já mudara antes da pandemia, vive de cada vez menos géneros e opções e isso é preocupante.
Spielberg contra Spielberg
Comparando os últimos dez anos de filmes assinados por Spielberg vê-se que "West Side Story" teve a menor receita de todos no fim de semana estreia - o fator novidade é normalmente decisivo e a audiência tende a cair com o passar do tempo. Aqui, a carta COVID é admissível, o mercado não está no seu melhor, mas, mesmo assim, é um número baixo num conjunto de filmes onde cabe um sucesso comercial ("Ready Player One"), três que cumpriram, ("The Post", "A Ponte dos Espiões" e "Lincoln"), dois pequenos fracassos ("As Aventuras de Tintin" e "Cavalo de Guerra") e um grande desaire comercial ("O Amigo Gigante").
Ano
Título
Abertura nos EUA
BO final nos EUA
BO final mundial
Custo estimado
2021
West Side Story
10,6
-
-
100,0
2018
Ready Player One: Jogador 1
41,8
137,7
582,8
175,0
2017
The Post
23,0
82,0
180,4
50,0
2016
O Amigo Gigante
22,7
55,5
195,0
140,0
2015
A Ponte dos Espiões
15,4
72,3
165,5
40,0
2012
Lincoln
34,8
182,2
275,3
65,0
2011
Cavalo de Guerra
18,0
79,9
177,6
66,0
2011
As Aventuras de Tintin - O Segredo do Licorne
15,1
77,6
374,0
135,0
A ascensão das máquinas de fazer dinheiro
A mudança nos gostos e a redução no número de géneros capazes de gerar um sucesso de bilheteira a nível mundial acelerou com a chegada em força da Marvel e após as compras do universo "Star Wars" por parte da Disney, mas curiosamente não começou com eles.
As alterações nas tabelas anuais de box office começam a dar-se em força a partir de 1999, com o aparecimento das franquias que passaram a dominar os ecrãs nos anos seguintes.
Em 1995, o ano em que "Toy Story" foi o campeão de bilheteira, o #2 ainda foi "Apollo 13", drama baseado numa das missões à Lua, e nos 20 primeiros ainda cabem filmes como "Sete Pecados Mortais", "Crimson Tide", "12 Macacos", "Mentes Perigosas", "Mr. Holland's Opus", a comédia romântica "Enquanto Dormias", ou "Bravehart". Um ano depois, o #1 mundial foi "O Dia da Independência", mas "The Heat", de Michael Mann conseguiu ser o terceiro maior sucesso de bilheteira em todo o mundo, "Jerry Maguire" foi #5 e "Ransom" #6.
O fenómeno "Titanic" não teve rival para o topo da lista em 1997, mas o #2 foi a comédia "Bean", com Rowan Atkinson, e "As Good as it Gets", "Good Will Hunting" e "O Casamento do Meu Melhor Amigo" ainda entraram nos dez mais populares.
Semelhante foi a divisão de géneros em 1998, com "Armageddon" na frente, mas sempre com filmes para audiências adultas presentes no topo da lista. "Saving Private Ryan" foi #2, "Doidos Por Mary", com Cameron Diaz foi #3, "Shakespeare in Love" o #8.
Em 1999, dá-se o regresso de "Star Wars" com "A Ameaça Fantasma", sai a primeira sequela de "Toy Story 2" e estreia "The Matrix". No top 10 ainda encontramos títulos como "Beleza Americana", "Noiva em Fuga" e "À Espera de Um Milagre".
A grande mudança dá-se em 2001, ano em que estreiam os primeiros "Harry Potter" e "O Senhor dos Anéis", duas franquias que dominam o box office nos anos seguintes a que se juntam dois enormes sucessos animados, "Monstros e Companhia" e "Shrek". O primeiro filme na lista que sai do formato da grande produção é "Hannibal", em #10.
A partir daqui, é lícito afirmar que a "serialização" tomou conta do box office. Géneros como a comédia romântica, o drama, até mesmo a comédia mais ligeira, passaram a ter cada vez maior dificuldade em se impor com poucas excepções ("A Paixão de Cristo" e "Mamma Mia!" terão sido dos últimos exemplos).
Depois de "Harry Potter" e "Senhor dos Anéis" vieram "Transformers", as adaptações de novelas para jovens adultos. Em 2008, o universo cinematográfico da Marvel chega discretamente com "O Homem de Ferro" a ser apenas o #8 mundial. Em 2012, "Vingadores" é o primeiro campeão de bilheteira filme do MCU.
Hoje, é dado adquirido que só se conseguem sucessos de box office com super-heróis, filmes de animação, ou grandes histórias na área da fantasia. O espaço para novas ideias diminuiu até se tornar residual. Fora das prioridades ficam os conceitos que não permitam construir séries, conjugar universos narrativos, ou apelar a crianças e famílias e gerar contratos de licenciamento de produtos complementares.
O streaming, com a sua máquina de produção em série necessária para manter o interesse do subscritor banalizou ainda mais tudo o resto.
E tudo isto aconteceu antes da pandemia. O COVID, que mandou toda a gente para os braços abertos das plataformas digitais com as suas infinitas ofertas, limitou-se a reforçar o status quo das produções em comité, feitas a pensar nos acionistas e avessas ao risco.
"West Side Story" não tinha nenhuma hipótese, com ou sem Spielberg.
Ano | Título | Abertura nos EUA | BO final nos EUA | BO final mundial | Custo estimado |
2021 | West Side Story | 10,6 | - | - | 100,0 |
2018 | Ready Player One: Jogador 1 | 41,8 | 137,7 | 582,8 | 175,0 |
2017 | The Post | 23,0 | 82,0 | 180,4 | 50,0 |
2016 | O Amigo Gigante | 22,7 | 55,5 | 195,0 | 140,0 |
2015 | A Ponte dos Espiões | 15,4 | 72,3 | 165,5 | 40,0 |
2012 | Lincoln | 34,8 | 182,2 | 275,3 | 65,0 |
2011 | Cavalo de Guerra | 18,0 | 79,9 | 177,6 | 66,0 |
2011 | As Aventuras de Tintin - O Segredo do Licorne | 15,1 | 77,6 | 374,0 | 135,0 |
As alterações nas tabelas anuais de box office começam a dar-se em força a partir de 1999, com o aparecimento das franquias que passaram a dominar os ecrãs nos anos seguintes.
Em 1995, o ano em que "Toy Story" foi o campeão de bilheteira, o #2 ainda foi "Apollo 13", drama baseado numa das missões à Lua, e nos 20 primeiros ainda cabem filmes como "Sete Pecados Mortais", "Crimson Tide", "12 Macacos", "Mentes Perigosas", "Mr. Holland's Opus", a comédia romântica "Enquanto Dormias", ou "Bravehart". Um ano depois, o #1 mundial foi "O Dia da Independência", mas "The Heat", de Michael Mann conseguiu ser o terceiro maior sucesso de bilheteira em todo o mundo, "Jerry Maguire" foi #5 e "Ransom" #6.
O fenómeno "Titanic" não teve rival para o topo da lista em 1997, mas o #2 foi a comédia "Bean", com Rowan Atkinson, e "As Good as it Gets", "Good Will Hunting" e "O Casamento do Meu Melhor Amigo" ainda entraram nos dez mais populares.
Semelhante foi a divisão de géneros em 1998, com "Armageddon" na frente, mas sempre com filmes para audiências adultas presentes no topo da lista. "Saving Private Ryan" foi #2, "Doidos Por Mary", com Cameron Diaz foi #3, "Shakespeare in Love" o #8.
A grande mudança dá-se em 2001, ano em que estreiam os primeiros "Harry Potter" e "O Senhor dos Anéis", duas franquias que dominam o box office nos anos seguintes a que se juntam dois enormes sucessos animados, "Monstros e Companhia" e "Shrek". O primeiro filme na lista que sai do formato da grande produção é "Hannibal", em #10.
Depois de "Harry Potter" e "Senhor dos Anéis" vieram "Transformers", as adaptações de novelas para jovens adultos. Em 2008, o universo cinematográfico da Marvel chega discretamente com "O Homem de Ferro" a ser apenas o #8 mundial. Em 2012, "Vingadores" é o primeiro campeão de bilheteira filme do MCU.
O streaming, com a sua máquina de produção em série necessária para manter o interesse do subscritor banalizou ainda mais tudo o resto.
E tudo isto aconteceu antes da pandemia. O COVID, que mandou toda a gente para os braços abertos das plataformas digitais com as suas infinitas ofertas, limitou-se a reforçar o status quo das produções em comité, feitas a pensar nos acionistas e avessas ao risco.
"West Side Story" não tinha nenhuma hipótese, com ou sem Spielberg.
por António Quintas
publicado 20:24 - 14 dezembro '21