O tempo em que Angela Merkel defendia o Muro de Berlim

por RTP
Tobias Schwarz, Reuters

Angela Merkel teve funções de agitação e propaganda no regime da RDA, quando este fazia sobretudo propaganda dos motivos para se manter o Muro de Berlim.

A futura Angela Merkel, nascida Angela Kasner em 1954, tinha começado o curso universitário de Física na Universidade Karl Marx, de Leipzig, com dezanove anos. Concluiu brilhantemente esse curso cinco anos depois, mas não estava destinada a dedicar-se à Física.

Com efeito, um outro pólo atraía já então o seu interesse: a política. Os seus primeiros passos na política foram na FDJ (Juventude Livre Alemã), organização da juventude, oficial quanto baste, controlada com rédea curta pelo partido (SED), mas sem que os seus membros se tornassem automaticamente membros do SED. Merkel não era membro do partido.

O cineasta português Joaquim Pinto, que na altura estudou também na Universidade de Leipzig, recorda-a quando ela militava pela reabilitação de um edifício em ruínas, com apoio do SED, para aí instalar um clube de estudantes.

Nos anos seguintes, a futura Angela Merkel trabalhou ainda no domínio da Química Teórica, quando mudou de residência para Berlim, e se integrou na Academia das Ciências. Também aí continuaria a desenvolver actividade no quadro da FDJ, vindo mais tarde a declarar, para a sua biografia oficial, que era "responsável da cultura".

Contudo, Gerd Langguth, um biógrafo não autorizado de Merkel, cita outras fontes que a dão como responsável da "agitação e propaganda" na FDJ, o que teria um significado político muito mais substancial. Reforçando a mesma tese, os jornalistas Günther Lachmann e Ralf Georg Reuth citaram um antigo secretário da FDJ, Gunter Walther, que teria sido companheiro de Merkel na mesma célula da FDJ e confirmava a responsabilidade desta pelo pelouro da agitação e cultura.

Merkel era já na altura da sua mudança para Berlim uma jovem adulta, de 24 anos e casada com o seu primeiro marido. Impossível, portanto, confundir o seu envolvimento na FDJ com o de um Joseph Ratzinger ou o de um Günther Grass, ambos muito mais jovens quando envergaram o uniforme da Juventude Hitleriana.

Questionada em maio de 2013, sobre a natureza dos cargos que desempenhou na FDJ, Merkel afirmou, segundo citação de Der Spiegel: "Só posso apoiar-me na minha memória (...) Se alguma coisa diferente vier a lume, também posso admiti-la". Essa "coisa diferente" seria a sua responsabilidade na agitação e propaganda, num momento em que um dos grandes temas de agitação e propaganda da FDJ era a justificação da existência do Muro.

Nas mesmas declarações citadas em Der Spiegel, Merkel admitiu também ter sido membro do sindicato oficial FDGB e da Sociedade para a Amizade Germano-Soviética, mas logo acrescentando que foi inscrita em ambos sem ser consultada.

A participação de Merkel numa organização dissociada do SED só começou a ser notória depois de ter caído o regime do SED e de se ter iniciado a transição. Em dezembro de 1989, ela tornou-se muito activa no grupo Demokratische Aufbruch (DA), do qual passou a ser funcionária em fevereiro de 1990. O grupo começou por apresentar-se como parte da esquerda leste-alemã, mas em breve se declarou hostil a um programa socialista e se integrou numa aliança eleitoral com a CDU democrata cristã.

Mas o DA desacreditou-se completamente ao ser revelado que o seu dirigente Wolfgang Schnur tinha trabalhado para a Stasi. Merkel encabeçou a conferência de imprensa do DA, a lamentar o facto, mas isso não impediu o DA de sofrer um descalabro eleitoral.

Merkel aderiu então à CDU oriental e após eleições vitoriosas tornou-se porta voz do Governo presidido pelo democrata cristão Lothar de Maizière. Acompanhou-o então em diversas deslocações ao estrangeiro, secundando as reservas que de Maizière manifestava sobre a qualidade de membro da NATO de uma futura Alemanha unificada.

Mas a Alemanha unificada ficou mesmo tão integrada na NATO como a Alemanha federal; e de Maizière teve de contentar-se com uma pasta ministerial decorativa no primeiro Governo unificado, que só manteve até ao momento, em 1991, de serem reveladas as suas próprias ligações com a Stasi.

No balanço final, Merkel nunca foi membro do SED nem consta que tenha tido qualquer tipo de colaboração com a Stasi. Teve uma estreita colaboração política com duas figuras tutelares que, elas sim, tinham trabalhado para a políca e não nega, antes admite, ter esquecido no seu depoimento para a biografia oficial o cargo de responsável de agitação e propaganda.
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