"Arca de Noé" pretende salvar maior sistema fluvial australiano

por Inês Moreira Santos - RTP
Reuters

O governo de Nova Gales do Sul, na Austrália, iniciou um plano de emergência para recolocar os peixes do rio Lower Darling. O plano “Arca de Noé” pretende evitar a morte em massa das espécies nativas, durante o verão.

Com o verão a chegar à Austrália, com tempo quente e seco e sem previsão de chuva, o governo da região de Nova Gales do Sul lançou um plano para transferir os peixes do Lower Darling, um dos maiores e mais significativos sistemas hidrográficos do país, para refúgios e centros de recuperação antes de começarem as altas temperaturas.

A operação, do tipo “Arca de Noé”, prevê que os cientistas do Departamento de Indústrias Primárias (DPI na sigla em inglês) resgatem centenas de peixes de espécies nativas desta bacia hidrográfica, como a Murray Cod e a Golden Perch, antes dos meses de verão (de dezembro a fevereiro).

O rio Lower Darling flui dos lagos de Menindee e conflui com o rio Murray. No verão passado, investigadores australianos detetaram mortes de peixes em massa nos lagos de Menindee e no Lower Darling, devido a uma combinação de fatores ambientais, como a seca extrema, e à pesca intensiva. Com mais um verão a aproximar-se os cientistas têm alertado para o risco de este ano se repetir o “desastre natural”, segundo o Guardian.

O plano de emergência para salvar estas espécies visa evitar que, à semelhança do que aconteceu no verão passado, os peixes fiquem retidos em pequenas piscinas (resultantes da seca do rio) e acabem por morrer.
O que está a acontecer aos peixes?

Em janeiro deste ano, centenas de milhares de peixes foram encontrados mortos ao longo do curso do rio Lower Darling.

Segundo os investigadores, as altas temperaturas provocaram a morte de grandes quantidades de algas e, por isso, o oxigénio na água tornou-se insuficiente e os peixes acabavam por sufocar. As temperaturas quentes levaram ainda à seca de grande parte do rio e à transformação desta bacia hidrográfica em pequenas piscinas onde os peixes acabavam por ficar retidos, sujeitos a condições impróprias à sua sobrevivência: temperaturas altas e oxigénio insuficiente.



A professora Fran Sheldon, do Australian Rivers Institute da Griffith University, disse que, no verão anterior, só foi encontrada uma colónia sobrevivente de mexilhões dos rios ao longo do rio.

A investigadora referiu ainda que as "gomas vermelhas do rio" - uma espécie de eucalipto característico desta região e que existe ao longo da margens dos rios na Austrália - apresentavam sinais de estarem sob forte "stress".

"Se as gomas vermelhas do rio morrerem e algumas tiverem centenas de anos, haverá um efeito dominó. As margens entrarão em colapso, haverá uma erosão maciça e os sedimentos vão rio abaixo", explicou Sheldon.

E reverter este tipo de "colapso ecológico" é muito mais difícil e dispendioso, alerta a investigadora.
"Arca de Noé" dos tempos modernos

À beira de enfrentar uma das piores secas do últimos anos, com previsão de pouca chuva e altas temperaturas para os próximos meses, o governo de Nova Gales do Sul alertou para o risco de o desastre se repetir este verão.

O ministro da Agricultura, Adam Marshall, anunciou esta operação "sem precedentes" em agosto passado, ao alertar que uma combinação de calor, de seca e do fluxo de rios estava a proporcionar as condições perfeitas para outra "estação de matança de peixes" na região.

"Haverá condições piores que levem à morte dos peixes neste verão e sabemos que não há muito que possamos fazer para evitá-lo."

No entanto, o ministro confirmou que o plano é criar "uma Arca de Noé para espécies nativas de peixes através da criação e reabastecimento para salvar estas espécies".

Para este efeito, as equipas de pesca do Departamento de Indústrias Primárias vai resgatar o maior número possível de Murray Cod e Golden Perch de cerca de 20 piscinas de água que estão quase secas.

Os peixes resgatados vão ser transportados em veículos com controlo de oxigénio e temperatura de forma a providenciar as melhores condições necessárias à sua sobrevivência. Depois de resgatados, estes animais serão transferidos essencialmente do rio Darling para uma zona mais baixa do rio Lower Darling que, segundo os especialistas, tem um habitat com qualidade e segurança hidríca a longo prazo.

Para além das melhores condições desta zona hidríca, assim que o verão terminar e os fluxos do rio voltarem a ter água, os peixes podem migrar de volta ao seu habitat natural sem intervenção humana.

"Criaremos uma Arca de Noé moderna para garantir que, independentemente do que pode acontecer neste verão, as nossas espécies nativas de peixes são protegidas para as gerações futuras", acrescentou o ministro.

Os especialistas têm alertado para a extinção destas espécies e o colapso dos sistemas fluviais australianos. Apesar dos objetivos do plano "Arca de Noé", os investigadores questionam se será suficiente, uma vez que a morte destes peixes foi também devida a causas humanas, como a pesca intensiva e o desvio de água para sistemas de rega agrícolas.
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