Neurochip aproxima máquinas dos seres vivos

por Nuno Patrício - RTP
Neuroporcessador da IBM - TrueNorth Foto: IBM Research - DR

Imagine uma máquina a pensar como nós. A ideia existe, ainda não foi criada na totalidade, mas os primeiros passos estão dados, um projeto da IBM que começou em 2014. Quase quatro anos depois, um neurochip semi-biológico já executa simples funções como, por exemplo, detetar e reconhecer pessoas, bem como alguns objetos.

Muitos foram aqueles que, com cara de espanto, surpresa ou apreensão, olharam para os dois robôs Einstein e Sofia, na WebSummit em Lisboa, e certamente pensaram: é desta que vamos ser anulados por 'eles', à semelhança dos filmes Exterminador.

Apesar das máquinas servirem a humanidade, com mais ou menos inteligência, com funcionalidades bélicas ou não, o certo é que ainda não se atingiu o ponto de ‘elas’ terem capacidade cognitiva independente e totalmente autónoma e racional.

É no entanto cada vez mais certo que caminhamos a passos largos para uma computação mais próxima do ser humano. Exemplo disso é o chip TrueNorth. Um processador anunciado pela IBM, em agosto de 2014, capaz de simular, em parte, o funcionamento do cérebro humano.

Passados quatro anos desse anúncio, foram vários os avanços neste campo. Os investigadores e cientistas que trabalham nesta área da neurocomputação conseguiram já alguns feitos notáveis.


Chip TrueNorth em detalhe.

Para que possa entender que tipo de aplicações o TrueNorth pode ter do mundo real, a equipa de pesquisa desenvolveu uma aplicação de classificação e deteção de objetos múltiplos e testou-a com dois desafios: um foi detetar pessoas, ciclistas, carros, camiões e autocarros que surgem num vídeo; o outro foi identificar corretamente cada objeto. Facto é que o TrueNorth mostrou-se apto em ambas as tarefas.

Mas como é que um processador (matemático) consegue realizar estas tarefas? O leitor pode sempre pensar: programação com formas geométricas. Em certa parte está correto, mas não só.

O TrueNorth é 50 por cento biológico. E apesar de ser um processador de computador, apenas do tamanho de um selo do correio, metade da sua composição são neurónios reais.

Mesmo que o neuroprocessador seja capaz de realizar apenas uma fração da complexidade do cérebro humano - de acordo com seus criadores, o chip tem o poder cerebral de um zangão - isso é suficiente para realizar algumas tarefas notáveis. Por exemplo, permite aos utilizadores alterar o canal sem tocar na TV ou num controlo remoto.

A Samsung, que avaliou o chip TrueNorth, anunciou que já está desenvolver um sistema no qual as pessoas podem controlar os aparelhos apenas com gestos.


Créditos: Samsung - DR

Quem também está a aproveitar as novas capacidades destes neuroprocessador é a Força Áerea norte americana. Qing Wu, principal engenheiro eletrônico do Laboratório de Pesquisa da Força Aérea da Wright-Patterson Air Force Base, Ohio, refere que esta tecnologia pode representar um grande impulso para os sistemas de defesa baseados na inteligência artificial bem como para os analistas de dados humanos que os utilizam.

"Trata-se de construir máquinas mais inteligentes que trabalhem com seres humanos, de forma a tornar os operadores e analistas humanos mais eficazes, e eficazes quando se lida com dados", disse Wu. "A principal vantagem deste chip é que ele executa os mesmo algoritmos de um processador normal, com a mesma funcionalidade, a mesma precisão, mas com muito menos dissipação de energia".


Créditos: Rick Docksai - DR
Dessincronia é a solução
Olhamos para o tempo (cronos) e foi-nos incutida a ideia que a sincronia era a melhor solução para uma mais rápida e eficaz maneira de chegar a um objetivo. Será assim? Talvez em alguns casos, como nos relógios, ou outros sistemas mecânicos, mas não nos sistemas biológicos.

O cérebro funciona precisamente de forma dessincrona. Ou seja, se para mexermos uma mão, ou um dedo, o cérebro desse uma ordem síncrona (ao mesmo tempo) a cada músculo ou tendão do nosso corpo, algo falharia, pois dependendo dos órgãos, maiores ou menores, reagiriam com velocidades diferentes e independentes.

Logo, o cérebro ao enviar a ordem de movimento os impulsos elétricos são retardados ou enviados com intensidades diferentes, de forma a que o resultado final seja, esse sim eficaz e síncrono.

Ora é precisamente essa dessincronia que a neurociência inserida do TrueNorth faz. Um ajuste biológico que os processadores matemáticos, mesmo os mais complexos, não conseguem realizar.



Rajit Manohar, especialista e professor na área de ciência computacional e sistemas laboratoriais em Yale, é um dos rostos à frente deste projeto.

Manohar foi convidado pelo grupo Cognitive Computing no IBM Almaden Research Center, por Dharmendra Modha, pesquisador principal do projeto , porque identifica Rajit como um "líder mundial" na tecnologia necessária para o projeto.

E uma das técnicas que foram revolucionárias para este projecto foi a criação de ferramentas que juntaram a biologia à eletrónica quântica. "Os neurônios no cérebro são conduzidos por eventos e operam sem qualquer relógio de sincronização", diz o pesquisador principal da DARPA SyNAPSE.
"Para alcançar as métricas ambiciosas do DARPA SyNAPSE, um elemento-chave foi projetar e implementar circuitos baseados em eventos para os quais os circuitos assíncronos são naturais".

A neurociência dá-nos uma melhor compreensão do que acontece no cérebro e essa informação inspirou a arquitetura do chip TrueNorth. Mas não é correto dizer que o TrueNorth é uma cópia das funções do cérebro, já que ainda não sabemos exatamente como o cérebro funciona.

"O cérebro é um sistema assíncrono que realmente não entendemos muito bem, e pode fazer certas coisas que não sabemos como o fazer nos computadores hoje e isso é interessante", diz Manohar . Além disso, há evidências de que o cérebro possui um "substrato computacional assíncrono poderoso" que pode aprender a fazer muitas tarefas diferentes com uma eficiência tão precisa e que um computador não consegue reproduzir.”

 Rapidez não significa inteligência

Os computadores são cada vez mais potentes e mais rápidos a realizar operações. Mas estas máquinas para funcionarem precisam de ter um ‘cerebro’, de nome processador. E como o nome indica, este sistema feito de silício processa milhões de cálculos matemáticos em segundos, à semelhança do cérebro animal, mas de forma síncrona.

Mas ser mais veloz velocidade implica aquecimento, e ser maior em tamanho, e há limites para este elemento essencial para os processos de computação.

Essa é a diferença para o TrueNorth, que apesar de ter o tamanho de um simples aparelho auditivo, possui cerca de 5,4 mil milhões de transístores e 1 milhão de neurónios que comunicam entre sí através de 256 milhões de sinapses.

Mas para tudo isto passar à realidade tiveram que ser construídas ferramentas para a montagem deste sistema.

Materiais ainda raros e que as grandes indústrias ainda não apostaram, continuando a produzir computação de uma forma mais ‘matemática’ e limitada.
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