Stephen Hawking temia manipulação do ADN pelos ricos

por Nuno Patrício - RTP
Foto: Lucas Jackson - Reuters

O físico Stephen Hawking, que faleceu no passado mês de março, deixou por publicar um livro, agora disponível, com várias respostas a preocupações que culminam num eventual desequilíbrio da espécie humana.

Atualmente a manipulação genética de determinadas espécies vegetais já é dada como adquirida para produção alimentar, bem como para resistência a doenças que as afetam.

Também na área da genética animal a manipulação está a desenvolver novas funcionalidades com vista a solucionar problemas idênticos aos dos vegetais, mas ainda sob algumas reservas deontológicas. Mas é na área da manipulação genética humana que Stephen Hawking fez incidir a sua preocupação. O físico temia uma raça de "super-humanos" capazes de manipular a sua própria evolução. Stephen Hawking diz que se a capacidade de engenharia genética estiver concentrada nas mãos dos ricos pode, num futuro próximo, ser auto-desenhada. Um cenário realista que poderá dar origem a seres humanos com capacidades cognitivas e/ou físicas muito superiores às existentes num normal ser humano.

O professor da Universidade de Cambridge, antes de morrer, antecipou que ainda neste século [XXI] se pode facilmente obter a capacidade de editar características humanas como inteligência e agressão - uma área sensível que pode, nas mãos erradas, dar origem à criação de elementos humanos com potencialidades extra-humanas.

Hawking diz mesmo que a capacidade de engenharia genética, concentrada nas mãos dos ricos, pode num futuro próximo ser auto-desenhada.

O físico teórico e cosmólogo britânico ponderou este futuro num conjunto de ensaios e artigos no livro "Respostas breves às grandes questões", agora publicado e que está no seguimento do livro "Uma Breve História do Tempo: Do Big Bang ao Buraco Negro", de 1988, que vendeu mais de 10 milhões de cópias.


De acordo com o Sunday Times, entre várias reflexões Hawking refere que a humanidade está a entrar “numa nova fase do que poderia ser chamado de evolução autodesenhada, na qual poderemos mudar e melhorar nosso ADN. Atualmente já conseguimos mapear o código genético humano, o que significa que lemos "o livro da vida", para que no futuro próximo comecemos a escrever as correções. "

A preocupação não existiria se as modificações genéticas no ADN humano fossem reservadas para reparar de “certos defeitos”, como a distrofia muscular, que são controlados por genes únicos e, como tal, seriam correções relativamente simples e inofensivas. "No entanto, tenho a certeza de que, durante este século, as pessoas descobrirão como modificar a inteligência e os instintos, como a agressão", escreve Hawking.

Muito embora os conselhos científicos possam impor restrições e proibições nestas áreas tão sensíveis, como é o caso da criação de clones humanos, “algumas pessoas não vão conseguir resistir à tentação de melhorar as características humanas, como tamanho da memória, resistência a doenças e duração da vida", vaticina o físico.

"Uma vez que tais super-humanos apareçam, haverá problemas políticos significativos com os humanos não melhorados, que não conseguirão competir", explica Hawking. "Presumivelmente, eles [humanos normais] vão acabar por morrer ou por se tornarem elementos sem importância."

24 de março de 2003. A empresa de engenharia genética Clonaid apresenta esta imagem afirmando ser o terceiro bebé clone, produzido pela empresa.  REUTERS / Paulo Whitaker

Stephen ainda colocou em questão um cenário ainda mais dantesco. Imaginou uma “raça de seres autodesenháveis” que se aperfeiçoavam cada vez mais. “Se a raça humana se conseguir redesenhar, provavelmente se espalhará e colonizará outros planetas e estrelas” - o que não seria assim tão absurdo. O contraponto é que a evolução humana tem por base o desenvolvimento bélico.

Embora Hawking se considerasse um "otimista", como escreveu em "Respostas breves às grandes perguntas", o livro é um alerta contra a ambição tecnológica descontrolada. Preocupava-o particularmente que a promessa de inteligência artificial - a possibilidade da erradicação da doença e da pobreza - pudesse cegar os “criadores e manipuladores genéticos” para os custos de longo prazo, de forma a que os humanos perdessem o controle sobre seu crescimento. A ser uma realidade a evolução humana através de manipulação genética, acabarão por surgir problemas políticos significativos com os humanos não melhorados, que não conseguirão competir", explica Hawking. "Presumivelmente, eles [humanos normais] vão acabar por morrer ou por se tornarem elementos sem importância."

“Pode-se imaginar essa tecnologia a ser utilizada nos mercados financeiros [a manipular cotações e ações] inventando pesquisadores humanos, super-manipulando líderes humanos e potencialmente subjugando-nos com armas que não podemos nem entender”, refere o físico. "Enquanto o impacto de curto prazo da inteligência artificial depende de quem a controla, o impacto a longo prazo depende dela para poder ser controlada."

Este cenário parece sair de um filme de ficção-cientifica, mas na realidade não está assim tão longe da verdade. Imaginemos mesmo que tudo isto é possível, que a inteligência artificial é capaz de se melhorar sem assistência humana. Segundo Stephen Hawking essa capacidade acumulativa poderia chegar a valores que "excedem a nossa em mais do que a nossa excede a dos caracóis", alerta o físico.

No futuro poderemos escolher se queremos ser mais inteligentes, mais bonitos, mais fortes ou tudo junto. Dependerá sempre do que estiver disposto a gastar, vaticina Stephen Hawking.

Hawking, neste livro publicado após a sua morte, além de uma série de respostas que os comuns mortais se interrogam diariamente, ainda deixa uma espécie de vaticínio aos atuais ‘seres humanos’ e lideres que povoam o planeta azul.

O físico acredita que é quase inevitável um confronto nuclear ou uma catástrofe ambiental nos próximos mil anos, mas acredita que, "entre as inúmeras catástrofes que podem ameaçar o futuro do globo terrestre, e de todos os seres vivos existentes, [a mais grave] é a simples arbitrariedade de uma colisão de um asteróide que, a esta hora, já tem como destino o planeta Terra".
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