África não está a aproveitar progressão lenta da doença para se preparar, diz a HRW

por Lusa

Redação, 06 abr 2020 (Lusa) - A organização Human Rights Watch considera que África não está a aproveitar a progressão mais lenta da covid-19 para se preparar e identifica violações de direitos humanos ligadas à luta contra a pandemia em vários países.

"O facto de a propagação em África ser mais lenta é reconfortante e daria tempo aos governos para reforçarem as infraestruturas. Infelizmente, não temos visto melhorias significativas", disse a diretora da Human Rights Watch (HRW) para África, Mausi Segun.

Numa entrevista conduzida pelo departamento de comunicação daquela organização e divulgada hoje pela HRW, Mausi Segun, natural da Nigéria, abordou as respostas dos governos africanos à pandemia de covid-19, manifestando preocupação com a conjugação de fragilidades que pode gerar "uma tempestade perfeita" no continente.

"As infraestruturas de saúde pública e os sistemas de saúde são extremamente fracos. Além disso, a pandemia está a acontecer em simultâneo com outros surtos mortais, como o sarampo e a cólera, o que poderá tornar o coronavírus mais mortal. Há também um acesso limitado a água potável para fins de higiene e saneamento em toda a África Subsaariana, incluindo em muitas instalações de saúde", apontou.

Mausi Segun considerou que alguns governos africanos têm sido "muito lentos" a responder à ameaça da pandemia, com as autoridades de vários países a sugerirem que se trata apenas de uma doença de estrangeiros.

Por outro lado, a responsável da HRW sustentou que, em muitos países, a falta de investimento na saúde está a prejudicar gravemente a capacidade de monitorização de novos casos, há falta de testes, de tratamentos e de pessoal médico.

"As capacidades de despistagem e tratamento mantêm-se muito fracas e acreditamos que há provavelmente muitos mais casos do que os reportados oficialmente", disse.

No contexto das medidas de prevenção e contenção da doença, Mausi Segun denunciou o "uso excessivo da força" para fazer cumprir o isolamento e a quarentena, apontado vários exemplos, incluindo a morte pela polícia de um rapaz de 13 anos em Nairobi, no Quénia, e o uso de balas de borracha e canhões de água pela polícia sul-africana para dispersar sem-abrigo que aguardavam numa fila por comida.

A HRW alerta também para os efeitos das medidas de prevenção, como a quarentena ou o confinamento obrigatório, nas populações mais pobres.

"Os governos têm de entender os recursos limitados disponíveis para as pessoas mais pobres ou que vivem em bairros de lata, onde não sair para ganhar dinheiro para alguns dias pode significar a diferença entre morrer à fome ou viver", disse, considerando "encorajador" o facto de alguns governos estarem a fornecer comida e produtos de higiene a estas populações.

Reconhecendo que toda a gente corre risco de ser infetada pelo novo coronavírus, Mausi Segun sublinhou a particular fragilidade das populações em campos de deslocados e refugiados em países em conflito como o Burkina Faso, Mali, República Centro-Africana, Sudão do Sul, Etiópia, Quénia e nordeste da Nigéria.

"No Burkina Faso, o número de pessoas deslocadas aumentou para mais de 765 mil no ano passado. Neste momento, é também o país da África Ocidental que regista o maior número de casos de covid-19", apontou.

A responsável da HRW assinalou igualmente a fragilidade da população prisional, num continente em que a sobrelotação das cadeias é generalizada.

"Estamos preocupados com a propagação do vírus nas prisões sobrelotadas. Os governos deveriam considerar a possibilidade de reduzir o número de presos, assegurando a sua libertação antecipada e libertando as pessoas que se encontram detidas arbitrariamente", afirmou.

"Grande percentagem das pessoas detidas em toda a África está em prisão preventiva e não foi condenada. Especialmente para as pessoas detidas por delitos não violentos, este é o momento certo para algumas libertações antecipadas", acrescentou, elogiando a libertação de 1.000 detidos no Sudão do Sul.

Idosos com outras doenças em zonas muito populosas, pessoas com deficiência e crianças que sofrem de subnutrição e outras infeções estão também no centro das preocupações da organização, que considera, por outro lado, que o encerramento de escolas em muitos países aumenta a exposição das raparigas a abusos sexuais e casamentos forçados.

As infeções pelo novo coronavírus, responsável pela covid-19, ultrapassaram hoje as nove mil em 51 países africanos, que registaram mais de 400 mortes. 

O continente mantém-se como a região do globo menos afetada pela pandemia.

 

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