Agentes culturais da região Centro preocupados com fecho de equipamentos

por Lusa

Agentes e estruturas da região Centro manifestaram-se hoje preocupados com o encerramento dos equipamentos culturais durante o novo confinamento e muitos criticaram a dualidade de critérios face aos espaços religiosos.

"É voltar atrás. Já estava a haver uma recuperação de hábitos, de que a cultura é segura e isto é um murro. Não ter sido dado um sinal sequer é muito negativo", afirmou à agência Lusa o diretor artístico do Trigo Limpo Teatro ACERT, em Tondela, José Rui Martins, referindo que a programação já foi toda cancelada.

O responsável considerou que a decisão do Governo de manter os espaços religiosos abertos, mas encerrar todos os equipamentos culturais, "é anacrónica" e salientou que os espaços são seguros, devendo ser equiparados ao comércio, porque a cultura é "um bem imaterial de primeira necessidade".

"Devia ser analisado o papel que a cultura pode desempenhar como produto de primeira necessidade para a alma", vincou, salientando que, durante o desconfinamento, o público aderiu "muitíssimo" às propostas da companhia, porque "estavam a precisar de cultura".

O diretor do Teatro das Beiras, Fernando Sena, também não consegue "compreender a dualidade de critérios".

"Não me parece que os espaços religiosos sejam mais seguros do que os culturais. Isto acaba por ser uma medida política, que não terá muito a ver com a situação da pandemia", notou.

O responsável salientou que está preocupado com a situação dos artistas que trabalham a recibos verdes, que ficarão "numa situação muito difícil".

A Amarelo Silvestre, companhia de Canas de Senhorim, conta, tal como o Teatro das Beiras, com apoio sustentado da Direção Geral das Artes e, nesse sentido, as preocupações financeiras não se sentem tanto como noutras estruturas sem esse apoio.

No entanto, o diretor da companhia, Fernando Giestas, alerta para outros problemas que vão começar a surgir com os sucessivos reagendamentos de espetáculos.

"Tudo está a ser adiado de maneira perigosa e como os teatros estão e estiveram a adiar tudo, vamos chegar a 2022 com uma sobreposição de projetos e os teatros não vão conseguir ter mão para tudo", constatou.

"Já viemos de um ciclo de destruição do tecido cultural e com a ausência de medidas concretas de apoio à classe, com este novo confinamento, as expectativas são as piores possíveis", disse à Lusa a diretora d`O Teatrão, Isabel Craveiro, referindo que essa não é a situação da companhia de Coimbra, que tem apoio sustentado, mas realçou que a grande maioria dos profissionais "vão ver aprofundada a falta de proteção e de apoio".

Isabel Craveiro afirmou que se sente "apavorada" pelo que a ministra da Cultura, Graça Fonseca, possa anunciar de medidas de apoio ao setor, porque "tudo o que foi feito até agora foi muito pouco".

João Silva, coordenador da Blue House, em Coimbra, que trabalha com 80 músicos da cidade, considera que, com este confinamento, o Governo perdeu uma oportunidade "para mostrar que a cultura pode ser essencial".

Silva referiu que "da mesma forma que as pessoas necessitam de comprar o pão e o leite, também precisam de assistir a uma peça de teatro, cinema ou um concerto".

O coordenador da Blue House considera que este mês sem atividade poderá ser "a gota final" para muitos músicos e técnicos que já estavam numa situação muito difícil.

"2020 não foi fácil para a Blue House manter todas as suas obrigações, mas aguentou-se e no último trimestre do ano, em que fizemos mais de 60 eventos com vários agentes da cidade, foi também para dar algo que motive os músicos com que trabalhamos, que, sem perspetivas de concertos, acabam por entrar numa espiral de buraco negro psicológico", realçou.

Hugo Ferreira, presidente da cooperativa cultural Ccer Mais, que gere, entre outros, a editora leiriense Omnichord, não entende "o paradoxo" de permitir manter espaços religiosos abertos e não os equipamentos culturais.

Para Hugo Ferreira, "este confinamento vai ser diferente".

O responsável considerou que programas "que se fizeram mais virados para o `online` dificilmente se repetirão", porque "as pessoas estão saturadas".

"O que me preocupa muito mais é que não podemos parar. A grande maioria das pessoas do setor não quer viver de apoios, quer poder trabalhar. Se não é possível trabalhar nas salas, então que se prepare algo para pôr em execução, que se recebam projetos e candidaturas", defendeu.

"Há duas frases muito batidas: a cultura é segura e a cultura também salva. Não nos podemos esquecer que a nossa fé é a cultura e devia ser precisamente esse um ponto essencial. As consequências da queda de um setor como a cultura são inimagináveis. Perde-se a capacidade de pensar o mundo e de voltar a imaginar um novo futuro", frisou Hugo Ferreira.

 

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