"Condições indignas". Governo de Madrid ignorou avisos sobre mortes em lares de idosos

por Joana Raposo Santos - RTP
Nos lares de idosos de Madrid, mais de seis mil pessoas com Covid-19 ou sintomas dessa doença morreram desde o início de março. Foto: Juan Medina - Reuters

O conselheiro para as Políticas Sociais na comunidade de Madrid, Alberto Reyero, alertou no início da pandemia em Espanha o conselheiro para a Saúde, Enrique Ruiz Escudero, da impotência que sentia no combate ao avanço do novo coronavírus nos lares de idosos, mas nunca obteve resposta aos pedidos de ajuda. E-mails agora divulgados mencionam a possibilidade de muitos utentes poderem "morrer em condições indignas" e o risco de se "incorrer numa discriminação com graves consequências legais".

Nos e-mails enviados a 22 de março, aos quais o diário espanhol El Pais teve acesso, o conselheiro para as Políticas Sociais começava por mostrar preocupação sobre um protocolo do Conselho da Saúde que permitia a 22 hospitais de Madrid escolherem que idosos de lares iriam admitir e quais iriam excluir de modo a evitarem o colapso dessas unidades de saúde.

O protocolo em questão sugeria que os mais velhos entre os idosos e que possuíssem um elevado grau dependência, precisando de apoio várias vezes ao dia ou de forma permanente, não teriam prioridade de acesso aos hospitais da região. O documento recomendava ainda deixar de fora pessoas com incapacidades internadas em instalações especializadas.

Na semana em que foram enviados os e-mails, tinham começado a ser noticiados casos de óbitos cujos corpos permaneciam por tempo indeterminado nos lares de idosos, assim como a falta de ambulâncias para prestar auxílio quando eram chamadas a essas instalações.

“Temos de ter consciência de que o apoio médico existente na maioria dos lares de idosos (em alguns nem isso) está concebido para uma situação normal, pelo que [se apenas for prestado esse apoio] muitos utentes poderão morrer em condições indignas”, escreveu o conselheiro para as Políticas Sociais na primeira mensagem que enviou. “Por essa razão, é necessário um apoio sanitário por parte do Conselho da Saúde que, neste momento, é muito difícil de obter”.

Se também aplicarmos a medida a pessoas com incapacidades, a situação passa a ter uma componente mais grave: neste caso, pode acontecer que pessoas com incapacidades graves mas boas expetativas de vida (…) sejam rejeitadas em hospitais e passaremos a incorrer numa discriminação com graves consequências legais. Por favor, tenha isso em conta”, apelou.

Apesar do tom de alarme de Alberto Reyero, os e-mails que enviou não obtiveram resposta. O documento final que saiu três dias depois não inclui, no entanto, as pessoas com incapacidade, excluindo da lista de prioritários dos hospitais apenas os idosos que vivessem em lares.
Mais pedidos ignorados
A ausência de resposta por parte de Enrique Ruiz Escudero levou a que, apenas algumas horas depois do primeiro e-mail, Reyero lhe escrevesse uma nova mensagem. “Como estamos a ter problemas para falar, envio algumas das questões que me preocupam”, escreveu o conselheiro para as Políticas Sociais, passando a descrever a “situação complicada” e insistindo que os lares de idosos não são eficazes para salvar vidas.

O responsável do Governo de Madrid pediu, por isso, alternativas como colocar médicos e equipamentos nos lares, uma promessa que Escudero tinha já feito a 12 de março, ou transferir os idosos para hotéis que servissem temporariamente como instalações de saúde apropriadas.

Reyero pediu ainda ajuda ao conselheiro para a Saúde no sentido de alcançar o apoio do Governo central.

Mais uma vez sem resposta, o responsável voltou a enviar e-mails a 31 de março e a 11 de abril. Dias depois, Reyero criticou publicamente Escudero por ter permitido o regresso dos idosos aos hospitais em vez de enviar profissionais de saúde para os lares. Os e-mails poderão servir de prova numa eventual investigação política e judicial ao sucedido nos lares de idosos de Madrid, onde mais de seis mil pessoas com Covid-19 ou sintomas dessa doença morreram desde o início de março.

Estas não foram as únicas ocasiões em que o conselheiro para as Políticas Sociais, que se encarrega de lares de idosos e de outros assuntos que digam respeito aos mais vulneráveis em Madrid, foi ignorado durante a pandemia pelo Governo dessa comunidade, liderado por Isabel Díaz Ayuso. A 19 de março Reyero pediu ao Governo a ajuda do Exército, e também nesse caso não lhe responderam.

O acumular destas situações levou a que Reyero, do partido Ciudadanos, acusasse esta semana o Governo da Comunidade de Madrid de falta de ética e de possíveis ilegalidades.

Apesar de a crise pandémica ter revelado melhorias em Espanha nas últimas semanas, os lares de idosos continuam a não estar preparados para uma eventual segunda onda de casos de infeção, uma vez que as instalações não foram dotadas de equipamentos médicos nem de profissionais de saúde especializados.
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