Cooperação mundial teria acelerado controlo da Covid-19, diz Tony Blair

por Inês Moreira Santos - RTP
Stephane Mahe - Reuters

Os líderes mundiais podiam ter controlado e reduzido em três meses a duração da pandemia, se tivesse havido colaboração na testagem massiva, na investigação da doença e no desenvolvimento de medicamentos e vacinas. É o que afirma Tony Blair, baseando-se nas conclusões de um relatório do seu Instituto para a Mudança Global. O ex-primeiro-ministro britânico alerta que, depois da Covid-19, o mundo terá de enfrentar novas pandemias, mas não pode voltar a demorar tanto a agir.

Ainda não passou um ano desde que a Organização Mundial de Saúde declarou que a Covid-19 era uma pandemia, mas o coronavírus que surgiu na China no final de 2019 já infetou mais de 112 milhões de pessoas em todo o mundo e matou quase 2,5 milhões.

Parou atividades, sociedades, vidas e países inteiros. Destruiu famílias e a economia de grande parte das nações. "E ainda não acabou", como recorda o trabalhista Ara Darzi no relatóriodo Instituto para a Mudança Global de Tony Blair.

"Sabemos que, com as medidas certas, as mortes podem ser evitadas, as doenças e as incapacidades podem ser evitadas e as economias protegidas", escreveu o também sub-diretor do Instituto de Inovação em Saúde Global do Imperial College London.

Para Darzi, é urgente que haja "uma revolução na saúde pública global" o que, segundo o mesmo, "exigirá cooperação global".

Partilhando a mesma visão, Tony Blair considera que se tivesse havido cooperação mundial, podia-se ter controlado a pandemia em três meses e evitado tantas mortes.

"Se houvesse coordenação global há um ano, acho que poderíamos ter eliminado este vírus em pelo menos três meses", afirmou numa entrevista ao Guardian, no contexto da publicação do relatório "O novo necessário", esta sexta-feira.

"O tempo que demorámos para identificar o vírus, desenvolver uma vacina e dar inicío à produção e à distribuição foi de cerca de 15 meses. E o resultado disso foi que o mundo sofreu uma crise económico enorme e catastrófica, além de uma crise de saúde", continuou o ex-primeiro-ministro do Reino Unido.

Publicado pelo Instituto para a Mudança Global, o relatório refere que, no futuro, com a coordenação e investimento internacionais corretos, a criação de uma nova vacina pode ser alcançada em apenas 100 dias.
Preparação para futuras pandemias

Embora o mundo ainda esteja a enfrentar a Covid-19, considerada a pandemia mais letal do século XXI, os autores do relatório apelam à necessidade de haver preparação para futuras pandemias.

"Sabemos que a pandemia Covid-19 será seguida por outra, e ainda outra. É uma questão de quando, não de se. Na verdade, as sementes da próxima pandemia podem já ter sido plantadas na forma de uma estirpe mutante do vírus SARS-CoV-2 existente - mais mortal, mais transmissível, mais resistente", começa por afirmar Ara Darzi.

"O tempo não está do nosso lado. Devemos preparar-nos agora". O relatório indica, portanto, que se deve aposta numa melhor capacidade de vigiar e detetar novas estirpes virais, tendo como meta máxima um período de 100 dias para o desenvolvimento de novas vacinas "produção mais rápida de medicamentos, melhores testes", assim como de produção e distribuição de equipamento de proteção individual e uma "estratégia de dados padrão".

"Com a presidência do grupo de nações G7 em 2021, o Reino Unido tem uma oportunidade sem precedentes de assumir a liderança. Devemos estar à altura do desafio", exortou ainda Darzi.

Referindo-se às conclusões do relatório, também Tony Blair incentivou o Reino Unido a assumir a liderança no desenvolvimento de uma nova "infraestrutura de segurança sanitária" que possa garantir uma melhor coordenação na identificação de novas ameaças emergentes, bem como no desenvolvimento, testagem e produção de vacinas e tratamentos.

"A lição óbvia a tirar para o futuro é, em primeiro lugar, que temos de nos preparar para a possibilidade de isso acontecer novamente ou com diferentes variantes deste vírus em particular. E número dois, não podemos demorar tanto para superar isto", afirmou ao jornal britânico.

Com Boris Johnson a presidir o G7, Blair pediu ao Reino Unido que liderasse a criação de um sistema mais responsivo para rastrear doenças e colaborar no combate a estas.

"A próxima pandemia provavelmente não é um novo vírus ou praga, mas uma estirpe mutante da Covid-19 que é mais mortal, mais transmissível ou resistente a anticorpos. Pode ser todos os três", reitera o documento. "Portanto, a lição mais importante do ano passado foi a necessidade de preparação".

O relatório apela, por isso, ao Governo britânico para tratar a preparação para uma próxima pandemia como "uma operação militar", rastreando o apareciment de novas doenças através de melhores métodos de vigilância e tendo a "capacidade" de produzir vacinas e medicamentos.

"Deve haver uma revolução na saúde pública global. O que tem implicações em testes, medicamentos, vacinas", lê-se no relatório que acrescenta que isso "requer uma atualização fundamental da infraestrutura de dados e vigilância sanitária".

"Chamamos essa infraestrutura de Novo Necessário. Pode ser necessário mais cedo do que pensamos".
Vacinas em 100 dias

No início da pandemia, Boris Johnson foi várias vezes criticado pela forma como geriu a crise de saúde pública no país. Embora seja dos países cujo plano de vacinação vai mais adiantado, foi dos países europeus mais afetados pela Covid-19.

Nesse sentido, e aproveitando a liderança britânica no G7, "O Novo Necessário" deixa várias recomendações ao Governo de Johnson.

Para além de desenvolver uma nova infraestrutura para a segurança da saúde global, o Reino Unido deve, argumentam os autores do relatório, aproveitar e trabalhar com instituições já existente como a GAVI, a Vaccine Alliance, a COVAX, a Coalition for Epidemic Preparedness Innovations, entre outros.

"O Reino Unido deve tratar a preparação pré-pandemia como semelhante a uma operação militar, usando o melhor hardware e software militar para detetar os desenvolvimentos", alega, acrescentando ainda que "deve continuar a sequenciar, colher e compartilhar dados sobre mutações com o resto do mundo", liderando "a criação de um banco de dados de vigilância genómica global que opere em tempo real e identifique novas estirpes ou vírus, permitindo que as ações sejam tomadas na fonte imediatamente".

De acordo com os autores, deve haver um objetivo interno e global compartilhado para que "o desenvolvimento de vacinas avance para a identificação de ameaças ao desenvolvimento e distribuição de vacinas num máximo de 100 dias". Mas, a "ambição é que seja mais rápido ainda".
Contudo, este "ambicioso objetivo não pode ser alcançado sem colaboração global".

Por isso, o Reino Unido "deve desempenhar um papel de liderança e maximizar os 16,7 milhões de litros de capacidade de fabricação global para desenvolver vacinas e medicamentos essenciais, anticorpos e antivirais numa pandemia".

Já globalmente, o documento refere que é necessário "liderança para lidar com o nacionalismo da vacina e garantir uma distribuição justa" e exorta os países a aumentar a sua própria capacidade de manufatura".

Além disso, é preciso que as aeonomias desenvolvidas, incluindo o Reino Unido, e órgãos coordenados internacionalmente reduzam o risco de investimentos no desenvolvimento de vacinas através "de doações de capital e pedidos de compra antecipados".

Segundo Tony Blair, o grande problema na produção e distribuição das vacinas foi que "muitas das empresas que estavam a desnvolver as vacinas não tinham grande biorreatores de grande capacidade, enquanto grande parte dos biorreatores com a capacidade necessária estava noutras grandes empresas farmacêuticas que não estavam a desenvolver as vacinas".

Uma das propostas do relatório, também aprovadas pelo antigo primeiro-ministro, é a criação de uma espécie de documento de identificação ou "certificado Covid".

"Se as pessoas ficarem próximas umas das outras, provavelmente vão preferir saber o seu status de Covid - com teste ou vacina", disse Blair.

Não se sabe quando nem que tipo de pandemia pode surgir, mas os autores garantem que vamos ter de enfrentar novas crises de saúde pública, e devemos estar preparados para evitar consequências maiores como tem acontecido no último ano com a Covid-19.
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