Covid-19. China retalia contra Austrália e boicota importações

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Thomas Peter - Reuters

A China ameaçou e já começou a cumprir. Pequim está a boicotar as importações de bens e serviços australianos e a aplicar tarifas adicionais de até 80 por cento nos produtos importados. A retaliação é uma resposta à insistência de Austrália numa investigação sobre a origem do novo coronavírus.

Depois de semanas de várias trocas de acusações entre os responsáveis dos dois países, China passou das palavras à ação. A 12 de maio, Pequim deixou de aceitar carne proveniente de quatro grandes matadouros australianos, alegando problemas sanitários. Cinco dias depois passou a aplicar tarifas de mais de 80 por cento nas importações de cevada, argumentando que faz parte de uma investigação antidoping.

Os conflitos entre os dois países tiveram início depois de Austrália ter exigido, em abril, uma investigação “transparente” sobre a origem do novo coronavírus, inicialmente detetado na cidade chinesa de Wuhan.

Pequim condenou de imediato esta investigação, considerando que na base das exigências de Camberra estão motivações políticas. China ameaçou, de seguida, boicotar as importações de bens e serviços australianos.

Austrália não se deixou demover pelas ameaças da China e, uma semana depois, voltou a insistir na investigação à origem da pandemia.

A Austrália continuará a adotar esse curso de ação extremamente razoável e sensato”, disse o primeiro-ministro australiano numa entrevista a 29 de abril, argumentando ser compreensível “que o mundo queira ter uma avaliação independente de como tudo isto aconteceu, para que possamos aprender as lições e evitar que aconteça novamente”.

Perante esta insistência, o embaixador chinês em Camberra, Cheng Jingye, sugeriu então um boicote chinês sobre produtos australianos como carne e vinho e outros serviços do país oceânico.

Em entrevista ao jornal Australian Financial Review, Cheng alertou que, se a tensão aumentar, "os turistas podem ter dúvidas. Talvez os pais dos alunos também tenham dúvidas sobre se este lugar não é tão acolhedor e agradável, mas antes hostil".

Talvez as pessoas venham a perguntar-se: Por que devo beber vinho australiano? Comer bife australiano?”, disse ainda Cheng Jingye.
Conflito político?
Há várias semanas que Washington tem disparado acusações a Pequim sobre a gestão da crise sanitária, procurando provar a teoria de que o novo coronavírus teria sido fabricado num laboratório chinês.

A Austrália, enquanto forte aliada de Washington, está a seguir a estratégia norte-americana de pressionar Pequim relativamente à origem do SARS-CoV-2. Camberra pede reformulações na organização que poderão passar para já pelo recrutamento de peritos independentes, cuja função será a investigação da fonte de grandes surtos no planeta.

O pedido de investigação por parte de Camberra surgiu logo após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ter ameaçado com "consequências" para a China caso seja provado que o país é deliberadamente responsável" por causar a pandemia de Covid-19.

A China considerou, então, que a Austrália era “como uma pastilha elástica no sapato de Pequim” e avisou que “ao fazer o trabalho dos americanos”, os australianos colocavam em risco a relação bilateral e de comércio com a China.A China é o maior comprador de vinhos e carnes da Austrália. No total, as trocas comerciais entre os dois países totalizaram mais de 214 mil milhões de dólares em 2018.

Apesar de o chefe do Tesouro australiano, Josh Frydenberg, ter já garantido que o país “não se curvará perante a extorsão [e que continuará] a defender o interesse nacional australiano, não negociando a saúde para obter resultados económicos”, é incontornável o facto de a China ser o principal parceiro comercial da Austrália, e numa altura em que se prevê uma recessão económica devido à pandemia, esta relação económica é mais importante do que nunca. 
Austrália acusa China de “coerção económica”
O pedido de uma investigação veio aumentar o clima hostil entre os dois países, cuja relação se começou a deteriorar em 2017, altura em que a Austrália introduziu uma nova e abrangente legislação de segurança projetada para reprimir a interferência estrangeira na política interna.

Perante os comentários de Cheng sobre as exportações de vinho e carne, o Governo australiano acusou-o de “coerção económica”. O ministro australiano do Comércio, Simon Birmingham, disse, a 13 de maio, que as autoridades chinesas foram inflexíveis.

“Temos sido muito claros, não estamos prestes a mudar as nossas posições políticas sob nenhuma ameaça, sugestão ou coação económica”, disse Birmingham em entrevista à Australian Broadcasting Corporation, defendendo que o boicote nas importações “não tem nenhuma relação” com o pedido de uma investigação à origem da Covid-19.

No entanto, os especialistas são da opinião contrária, considerando que as decisões de Pequim foram quase certamente um retaliação. À CNN, o especialista chinês McGregor disse que é provável que a China esteja a usar o conflito com Austrália para enviar uma mensagem ao mundo:

“Quando a China quer punir um país, faz isso em público para que o país e a sua população saibam claramente que há um preço por irritar a China”.
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