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Covid-19 fez de 2020 o "ano dos oceanos silenciosos"

por Inês Moreira Santos - RTP
Greenpeace - Reuters

Em 2020, devido aos confinamentos impostos para combater a pandemia, houve uma diminuição acentuada da poluição do ar. Mas, de acordo como um novo estudo, a Covid-19 também teve impacto na vida marinha e os oceanos tornaram-se mais silenciosos, principalmente na primavera passada.

As limitações na circulação, a proibição de viajar e a desaceleração económica a nível mundial, nos meses de 2020 com maiores restrições devido à Covid-19, contribuíram para a drástica diminuição das atividades humanas nos oceanos, como o transporte marítimo ou a exploração do fundo do mar. Aproveitando esta oportunidade, os investigadores - que consideram que o 2020 terá sido o "ano dos oceanos silenciosos" - decidiram avaliar os impactos do confinamento no ruído na vida marinha.

Através da utilização de 231 hidrofones não militares distribuídos por todo mundo - sensores da acústica subaquática já implantados para outras investigações -, os oceanógrafos pretendem avaliar a acústica oceânica antes, durante e depois da pandemia.

"A ideia é usá-los para medir as diferenças no ruído e como afetam a vida marinha — como o canto das baleias ou os sons emitidos pelos cardumes", explicou à BBC Peter Tyack, professor na Universidade de St. Adrews, na Escócia.

Sem a poluição sonora dos motores de navios, das atividades pesqueiras de arrasto e das plataformas de petróleo e mineração submarina, os cientistas acreditam que podem estudar um "momento único de silêncio" nos oceanos.

"Assim como as populações urbanas se apercebram que, com a redução da circulação de veículos e da atividade humana, é possível ouvir mais o canto dos pássaros ou até ver os animais nos seus habitats naturais, nós precisamos de instrumentos para monitorizar o efeito equivalente nos oceanos".

Oceanógrafos de todo o mundo juntaram-se para realizar este estudo, promovido pelo International Quiet Ocean Experiment (IQOE), também com o propósito de aproveitar a oportunidade para avaliar como é que, nas ultimas décadas, o aumento da poluição sonora afetou os ecossistemas marinhos.

Através também da monitorização de animais com sensores, os investigadores esperam que este estudo revele até que ponto o ruído nos "mares do Antropoceno" afeta a vida nas profundezas.

"A poluição e a mudança climática tiveram um impacto enorme nos oceanos do planeta — mas a questão do ruído é que é relativamente fácil diminuir o volume"
, esclareceu o professor.
2020 com menos ruído nos oceanos

Num relatório divulgado esta semana, a equipa de investigadores explica que a pandemia promoveu a existência de "um intervalo imprevisto nos níveis sonoros" maior do que o IQOE pensava "ser possível".

"Aproveitando esta ocorrência extraordinária, o IQOE designou 2020 como o Ano Internacional do Oceano Silencioso e está a concentrar recursos no projeto para encorajar o estudo das mudanças nos níveis de som e efeitos nos organismos durante 2020", lê-se no documento. "Felizmente, a comunidade mundial de acústica oceânica implantou centenas de hidrofones capazes de capturar a paisagem sonora do oceano durante 2019-2021".

Os resultados preliminares de outros estudos também do ano passado, "indicam que os efeitos sobre o comportamento dos animais marinhos com as mudanças nas atividades humanas em diferentes locais dependem de características particulares de reduções de fontes sonoras locais e regionais, políticas de mitigação de pandemia adotadas em cada área de recreação marítima e de cultura marinha nacional".

De facto, assim como poluição dos plásticos e a iluminação terrestre afetam os oceanos, o ruído humano é uma preocupação para os oceanógrafos, uma vez que afeta várias espécies marinhas que dependem do som para a comunicação e a própria movimentação. Como explicam os cientistas, o problema é que até os sinais de baixa frequência podem viajar milhares de quilómetros.

Segundo o Guardian, estudos no nordeste do Pacífico mostraram um aumento de três decibéis, a cada dez anos, em sons gerados por humanos abaixo dos 100 hertz, entre os anos 1960 e o início dos anos 2000. Devido a um acerto, o volume da poluição sonora está, neste momento, ao mesmo nível que o ruído natural de fundo do oceano.

No entanto, este valor diminuiu substancialmente no ano passado, no auge dos confinamentos em março, abril e maio, por todo o mundo. O volume aumentou, contudo, no pico do verão, quando as companhias de navegação tentavam recuperar os meses de suspensão de atividade e os níveis de ruído já estabilizaram perto da média dos últimos anos.

A diminuição do ruído humano foi mais notório nas zonas costeiras e nas rotas marítimas. E, como explicou ao jornal britânico Jennifer Miksis-Olds, diretora do Centro de Investigação e Educação Acústica da Universidade de New Hampshire, isso criou condições para uma "experiência natural".

Desde a Revolução Industrial, disse a investigadora, o ruído humano tem-se sobreposto e abafado os sons do ambiente como do vento, das ondas e do gelo e obrigou a vida marinha a adaptar-se, como os clientes de um restaurante cheio e barulhento quando precisam de aumentar o voulme da voz ou têm de se repetir para serem compreendidos pelos pares.
Menos decibéis nos oceanos
O projeto International Quiet Ocean Experiment, fundado em 2015 para avaliar o som ambiental em diferentes locais dos oceanos, é um plano de dez anos que tem como principal objetivo descobrir evidências que contribuam para a persuasão das empresas de transportes náuticos e instalações petrolíferas ea diminuir os decibéis das suas atividas em prol dos ecossistemas marinhos.

"Gostaríamos que a expressão paisagem sonora se tornasse muito mais conhecida. O som é luz nos oceanos. Ilumina o oceano para muitos animais. Eles usam-no para comunicar, para caçar e podem ser prejudicados pelo excesso de ruído", disse ao Guardian Jesse Ausubel, diretor do Programa para o Meio Ambiente Humano da Universidade Rockefeller e fundador do IQOE.

Os oceanógrafos envolvidos neste estudo pretendem agora expandir a rede de hidrofones, especialmente no hemisfério sul, com mais de 500 dispositivos. Através de dos dados obtidos com os hidrofones e a colaboração de empresas de navegação, esperam conseguir produzir um mapa global do ruído no oceano nos próximos anos - o que pode revelar padrões importantes, como o aumento de ruído ao longo das rotas marítimas e perto das instalções petrolíferas e parques eólicos, que podem ser tão importantes para a saúde e regulamentação dos oceanos como a monitorização da poluição do ar nas margens das estradas ou as medições da contaminação das águas perto de fábricas.

"Um dos objetivos é construir um mapa da acústica oceânica, no qual se poderá identificar o som das rotas dos navios, ver os padrões migratórios das baleias — a partir de seu canto — e até entender melhor as alterações climáticas através das mudanças nos sons produzidos pelos icebergs que estão a derreter e a desprender-se", explicou também Jennifer Miksis-Olds.

Ouvir o oceano, segundo a mesma, pode ajudar a encontrar um ponto de equilíbrio entre a atividade humana e os processos naturais dos oceanos.

Já para o professor Peter Tyack, é preciso mudar a nossa mentalidade, "parar para perceber quanto mais ruído podemos adicionar ao oceano e procurar formas de o reduzir e consertar os danos já causados".
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