Músicos cabo-verdianos de "mãos atadas e de luto" protestam contra falta de atenção

por Lusa

Dezenas de músicos cabo-verdianos saíram hoje à rua "de mãos atadas e de luto" para manifestar a falta de atenção por parte das autoridades perante as dificuldades enfrentadas por causa das restrições da pandemia da covid-19.

A manifestação foi convocada a partir da ilha do Sal e teve adesão ainda de músicos e profissionais das artes das ilhas de Santiago, Boa Vista e São Vicente -- Santo Antão estava prevista mas cancelada -, e foi organizada precisamente no Dia Nacional da Cultura de Cabo Verde.

Na Praia, ilha de Santiago, o protesto juntou cerca de duas dezenas de músicos na principal praça da cidade, vestidos de preto a significar o luto e de "mãos atadas" a demonstrar união e a denunciar as dificuldades que têm enfrentado por causa das restrições impostas no país para evitar a propagação da covid-19.

O porta-voz foi o músico Zerui Depina, que disse que a classe foi dos primeiros a começar a sentir os efeitos da pandemia e não está a merecer a "mínima atenção" e nem sabem quando vão recomeçar a trabalhar.

"Saímos à rua para dizer que temos visto tanta coisa a acontecer, espaços abertos, campanha eleitoral, e os artistas não podem trabalhar. Todos nós temos famílias e vivemos disto", protestou o músico praiense, esperando que a voz dos artistas seja ouvida.

"Dizem que a música é a melhor coisa que temos em Cabo Verde, mas como músico acho triste porque em todos os países se fala da nossa cultura, da sua força e o que os nossos músicos significam para o mundo. Deixar os músicos num barco naufragado está a ser um bocado complicado", afirmou Zerui Depina.

"Estamos de luto. Era um dia que devíamos estar todos em palco, a festejar, mas é uma pena estarmos de luto", continuou o porta-voz dos músicos e profissionais das artes e espetáculos de Cabo Verde que realizaram a marcha silenciosa para denunciar as dificuldades enfrentadas e exigir a abertura de espaços culturais.

Zerui Depina disse que as dificuldades são tantas que muitos músicos já venderam os seus instrumentos, dizendo que chegar a esse ponto é igual a "vender a alma".

Na quinta-feira, após reunião do Conselho de Ministros, o ministro da Cultura e da Indústrias Criativas, Abraão Vicente, anunciou uma série de medidas para o setor cultural no país, entre elas a possibilidade de abertura de espaços culturais para eventos com lotação máxima de 100 pessoas, desde que passem por uma vistoria e obtenham uma autorização prévia da Direção-Geral da Saúde, para evitar a propagação da covid-19.

O músico Zerui Depina salientou que a marcha já estava marcada mesmo antes desse anúncio e que não serve apenas para o momento atual, mas sim porque há muito tempo que os músicos não são valorizados em Cabo Verde.

A manifestação nasceu na ilha do Sal, a mais turística do arquipélago e, consequentemente, a com maior concentração de pessoas que vivem exclusivamente da música.

Segundo o produtor musical Nuno Levy, o protesto no Sal contou com mais de uma centena de músicos e seus familiares, também vestidos de preto, com os seus instrumentos na mão e empunhando cartazes.

Na sexta-feira, Nuno Levy disse à Lusa que o país está a viver um "momento difícil" em termos de saúde pública, mas a classe dos artistas quer utilizar o Dia Nacional da Cultura para chamar atenção da "situação difícil e insustentável" que estão a viver, ao fim de cerca de oito meses de desemprego motivados pela pandemia da covid-19.

Numa mensagem alusiva ao Dia Nacional da Cultura dirigida ao país e às comunidades no estrangeiro, o Presidente da República de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, endereçou uma "palavra amiga e solidária" a todos os fazedores de cultura, profissionais das artes cénicas e performativas, artistas visuais, escritores, agentes culturais, técnicos e empresários e todos profissionais ligados ao setor, no país e na emigração.

O chefe de Estado disse que estes profissionais viram as suas vidas mudar neste período de pandemia e pediu-lhes "coragem e esperança numa rápida e melhoria da sua situação".

O primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, desejou a todos um Feliz dia de Eugénio Tavares, patrono do Dia Nacional da Cultura e das Comunidades.

"Nós entendemos as preocupações e os constrangimentos dos homens e mulheres da cultura e acreditamos que voltaremos mais fortes e juntos seremos sempre mais fortes", perspetivou o chefe do Governo cabo-verdiano.

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