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"Risco de genocídio". Covid-19 ameaça indígenas brasileiros

por Joana Raposo Santos - RTP
Até ao momento, são 980 os casos confirmados de infeção e pelo menos 125 os óbitos em comunidades indígenas do Brasil. Foto: Adriano Machado - Reuters

Os casos de infeção e as mortes por Covid-19 entre o povo indígena brasileiro estão a aumentar a um ritmo alarmante: são já cerca de mil as infeções e mais de uma centena os óbitos. Especialmente vulneráveis por estarem afastados de hospitais e por não possuírem, na maioria das vezes, acesso a infraestruturas básicas, os indígenas lutam agora para ultrapassar esta crise que alguns temem que possa tornar-se um "genocídio".

“A população indígena não possui os anticorpos para lutar contra doenças que venham de fora da floresta amazónica. Existe um enorme risco de que o novo coronavírus possa infiltrar-se nesse território e tornar-se um verdadeiro genocídio”, considerou recentemente o ativista e fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, em entrevista à CNN.

De acordo com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), que regista os números do novo coronavírus entre as 900 mil pessoas indígenas desse país, a taxa de mortalidade por Covid-19 entre as mesmas é o dobro daquela verificada entre a restante população brasileira.

Até ao momento, são 980 os casos confirmados de infeção e pelo menos 125 os óbitos, o que indica uma taxa de mortalidade de 12,6 por cento, comparada com a taxa nacional de 6,4 por cento.

Os números divulgados pelo secretariado especial de Saúde Indígena, gerido pelo Ministério brasileiro da Saúde, são muito inferiores aos registados pela APIB: 695 casos e 34 mortes. Esta diferença deve-se ao facto de o Ministério apenas monitorizar os indígenas que habitam em vilas tradicionais, e não os que migraram para cidades para trabalhar ou estudar e que muitas vezes vivem em condições precárias.
“Anos de negligência pública”
Os que vivem mais isolados na floresta são os que mais dificuldade têm no acesso a condições sanitárias básicas e a unidades de saúde. “O novo coronavírus aproveitou-se dos vários anos de negligência pública”, lamentou à CNN Dinaman Tuxa, coordenador executivo da APIB e membro da comunidade Tuxa.

Essa comunidade, de cerca de 1400 pessoas, vive a quatro horas e meia de distância da Unidade de Cuidados Intensivos mais próxima. Por essa razão, tem apostado no isolamento total como forma de evitar infeções e mortes.

“Face à pandemia não tivemos muitas hipóteses. Isolámo-nos completamente. Criámos barreiras. Ninguém pode entrar e tentamos que ninguém saia”, explicou Dinaman Tuxa, acrescentando que essa comunidade conseguiu, até agora, escapar ao vírus.

A situação pode, no entanto, não se manter durante muito mais tempo. Mais de 60 outras comunidades indígenas possuem casos confirmados de Covid-19, muitas delas na região da Amazónia, onde deslocações até hospitais apenas são possíveis de barco ou avião. A distância média entre as vilas indígenas e as Unidades de Cuidados Intensivos mais próximas é de 315 quilómetros, de acordo com a organização sem fins lucrativos InfoAmazonia. Para dez por cento das vilas, essa distância ascende a entre 700 a 1079 quilómetros.

“As comunidades indígenas – mesmo aquelas com clínicas de saúde básicas – não estão preparadas para o novo coronavírus, o que significa que os que são contagiados têm de ser retirados das comunidades e, muitas vezes, viajar longas distâncias”, elucidou por sua vez Joenia Wapichana, a primeira deputada indígena do Brasil, em declarações à CNN.

“E quando chegam [às cidades] têm de competir por hospitais, por camas nos cuidados intensivos e por ventiladores, porque simplesmente não há suficientes”, acrescentou. O norte do Brasil tem sido o mais afetado pela pandemia, e o Estado de Amazonas, quase na totalidade coberto pela floresta amazónica, é um dos que regista maiores taxas de infeção. As autoridades locais alertaram em março para o início do colapso do sistema de saúde.
Desflorestação pode fazer aumentar Covid-19
Na semana passada, o Congresso brasileiro passou um plano de emergência para as comunidades indígenas que não só pretende fornecer equipamentos médicos como água potável e bens alimentares às tribos para que estas possam manter-se totalmente isoladas. Esse plano precisa, no entanto, de ser aprovado pelo Senado e de ter a luz verde do Presidente Jair Bolsonaro, que tem desvalorizado o vírus e cuja relação com as comunidades indígenas é tensa.

O líder tem mesmo sido responsabilizado pelo aumento da desflorestação durante a crise pandémica, que cresceu 64 por cento apenas em abril deste ano em comparação com o período homólogo. Só nesse mês foram destruídos mais de 400 quilómetros quadrados de floresta.

Essa desflorestação, que já antes representava uma ameaça à comunidade indígena, pode agora ser responsável pelo aumento da Covid-19 entre a mesma. Com mineiros e madeireiros ilegais a ocupar a floresta, os casos de infeção podem aumentar ainda mais, à semelhança do que já acontecia com outras doenças contra as quais os indígenas não possuem anticorpos.

O Brasil é o segundo país do mundo com mais casos de infeção pelo novo coronavírus: mais de 363 mil. As mortes superam as 22 mil, enquanto o número de recuperados se fixa em 142 mil.
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