"A vida de John Smith" põe em palco a necessidade de criar monstros para termos heróis

por Lusa

Guimarães, Braga, 21 fev (Lusa) - "A vida de John Smith" tem estreia marcada para sábado, em Guimarães, e leva ao palco a visão do encenador Mickaël de Oliveira sobre a eterna necessidade de "sermos obrigados a criar monstros, para termos os nossos heróis".

Aquele que é o segundo episódio do díptico de peças "Sócrates Tem de Morrer" (o primeiro episódio, "A morte de Sócrates", é recordado na sexta-feira, igualmente em Guimarães, no Centro Cultural Vila Flor), "A vida de John Smith", decorre algures num novo planeta, num qualquer futuro, onde vive uma elite (os bons), unidos numa Academia de almas reencarnadas. E depois "há os outros", as almas mal reencarnadas, "uma espécie de mortos-vivos (os maus)". É neste planeta que as personagens Ana, Paulo, Pedro, Raquel, que transitam do primeiro episódio, vão acordar.

E depois há John Smith. "Este John Smith é a reencarnação de Sócrates [o filosofo da antiguidade clássica que morre no final do primeiro episódio]", explicou à Lusa o encenador e criador da peça Mickaël de Oliveira.

A escolha do nome da personagem principal não foi um acaso: "É um nome muito banal nos Estados Unidos, é o nosso `João Silva`. Mas John Smith foi também um grande conquistador e colonizador. Sempre foi importante nesse sentido, um colonizador, mas também um Zé-ninguém", referiu.

Do tal planeta distante, o encenador desceu à Terra: "A nossa sociedade também vive nessa polarização e de uma contaminação de episódios. Por exemplo, neste momento existe um problema, que se chama Trump", apontou.

Mickaël de Oliveira explicou que "A vida de John Smith" nasce depois de ter passado uma temporada nos Estados Unidos, durante a qual pôde vivenciar o "efeito Trump" e a "resistência que está a ser formada" ao fenómeno.

Para o encenador, o "sistema de pensamento um bocado binário" de bem/mal, herói/monstro, "é real", independentemente de ser ou não justo. "Realmente nós somos obrigados a criar monstros, somos obrigados a criar um inimigo para nos definirmos e esse é um problema", definiu.

"Eu olho para o Trump e odeio-o. É o meu monstro mas, ao mesmo tempo, tento percebê-lo para falar, para tentar perceber onde é que ele está e qual é a síntese possível que o meu pensamento pode fazer com a minha tese e a minha antítese. Estou sempre a pensar no que é que me pode aproximar simbolicamente dele, porque aquilo que me afasta é óbvio", declarou.

Voltando ao planeta distante, Mickaël de Oliveira explicou que John Smith nasce zé-ninguém e acaba colonizador: "A nível de evolução é uma espécie de anti-herói que está a descobrir um novo planeta, que quer casar com Grace, a sua namorada e não sabe onde ela está, ele está muito mais preocupado com um aspeto corriqueiro da vida, da política, não sabe nada e vai-se ligando a isso ao longo do espetáculo".

Assim é a vida, segundo o criador: "Somos sempre o colonizado e o colonizador de alguma coisa e aquilo que existe aqui é que o aspeto moral está muito dissolvido, de uma forma livre, contraditória. O bem e o mal está em tudo e em todos", disse.

Apesar da moral e da ética terem um papel, embora - admitiu o encenador -, pequeno, na pela, o objetivo de "A vida de John Smith" não é dar nenhuma resposta, tal como não é o teatro que ambiciona fazer.

"Um teatro que procura dar resposta é o pior, é o pior que se pode fazer. O teatro serve para levantar questões e estimular o debate e, nesse sentido, é um teatro político, mais do que de afirmação de um ideal qualquer", descreveu.

A "Vida de John Smith" conta com as interpretações de Albano Jerónimo (John Smith), Paulo Pinto (Paulo) Pedro Lacerda (Pedro), Raquel Castro (Raquel) Ana Bustorff (Ana), Miguel Moreira (Aquela), Pedro Gil (Aquele) e John Romão (Aqueloutro).

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