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Eduardo Lourenço confessa que é "dificil assumir" que faz 95 anos

por Lusa

Lisboa, 23 mai (Lusa) - O ensaísta Eduardo Lourenço, ator dele próprio no filme "O Labirinto da Saudade", que tem antestreia hoje, no dia em que faz 95 anos, afirma-se feliz com esta homenagem, mas confessa que lhe é "difícil assumir" este aniversário.

"O Labirinto da Saudade", de Miguel Gonçalves Mendes, adapta a obra homónima de Eduardo Lourenço e transporta os espectadores por uma viagem através da cabeça do pensador português, com o próprio como protagonista e narrador da história, percorrendo os caminhos da memória e cruzando-se com personalidades da cultura, com quem troca breves diálogos em busca da resposta à questão "o que é ser português".

No entanto, Eduardo Lourenço admitiu, em entrevista à Lusa, que "entrou no filme sem saber que estava a entrar num filme" e considera haver uma "tal incompatibilidade" entre ele e ser ator, que não se vê nesse papel, embora ainda não tenha visto o resultado final e nem tenha "vontade particular" de se "mirar nesse espelho".

"Aquilo era uma espécie de visita ao Buçaco [ambiente onde é filmado], sem programa propriamente dito, e a gente tinha que inventar umas situações e umas falas com muitas personagens, meus amigos ou não, quase todos eles meus amigos, e eu não podia adivinhar o que é que saía dali e continuo na mesma porque ainda não o vi", disse.

Desses diálogos, gostou particularmente do que teve com Álvaro Siza Vieira, que faz de empregado do "Bar Eternidade", por este ser "um criador no sentido forte do termo".

"É um criador em si e isso impõe um respeito absoluto, eu estava a falar com alguém que a gente tem impressão que o que ele está, o que ele faz, o que ele propõe, o que ele fará ainda é qualquer coisa que merece atenção e que nós temos a certeza que são coisas que o futuro olhará e guardará como dignas do tempo presente que estamos vivendo", afirmou.

Outro diálogo que achou particularmente curioso foi o que teve com o ator e humorista brasileiro Gregório Duvivier sobre a relação de Portugal com o Brasil.

Eduardo Lourenço teve de responder à questão "como é que a perda do Brasil não nos tinha traumatizado", uma pergunta que o obrigou a admitir que de facto a perda do Brasil não representou "um traumatismo no sentido forte do termo".

"Mas também nós não perdemos o Brasil, não perdemos nenhum sítio onde estivemos, perdemos o que devíamos perder, em relação a atos que cometemos enquanto colonizadores ao longo dos séculos", disse, sublinhando a relação que existe com aquele país, para onde os portugueses emigravam em busca de fortuna.

Sobre a antestreia do filme no mesmo dia em que faz 95 anos, Eduardo Lourenço considera que "será uma coincidência, que as pessoas diriam uma coincidência festiva".

"[É também] uma gentileza da parte do cineasta, de se lembrar disso, e eu parti para isso sem saber o que estava ali a fazer, pensando que fazia parte de uma leitura específica de um cineasta a respeito de uma pessoa que não é um ícone cultural propriamente dito, mas tive de me resignar a envergar esse fato durante algum tempo", acrescentou.

Eduardo Lourenço admite que é "um bom presente de aniversário", ainda para mais tendo a ideia do filme partido de um grupo de amigos, mas confessa que, para ele, fazer 95 anos é uma "coisa sempre rara e difícil de assumir, porque é o princípio do fim".

"Todos nós estamos confrontados com essa exigência, não encaro isso como uma coisa trágica, era só o que faltava. A tragédia já é em si nós não podermos escapar àquilo que nos espera, seria uma injustiça para todas as outras pessoas, que eram os nossos, que já morreram, que nós não fossemos capazes de suportar aquilo que eles suportaram quando chegou o fim deles. É ir para a morte como se todos aqueles que nos conheceram e nós amámos estivessem connosco".

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