Ministra da Cultura lamenta morte do poeta, tradutor e ator Manuel Cintra

por Lusa
Lusa

A ministra da Cultura, Graça Fonseca, lamentou hoje a morte do poeta, tradutor e ator Manuel Cintra, autor de livros como "Do lado de dentro" e "Alçapão", aos 64 anos.

Num comunicado hoje divulgado, Graça Fonseca recorda que, "com um percurso de quarenta anos ligado à literatura, Manuel Cintra foi tradutor, mas também ator e encenador -- algo que os seus textos não deixavam de evidenciar, bem como na forma como os lia nas sessões de poesia em que frequentemente participava".

"Foi, aliás, na poesia que melhor se destacou, como um autor com uma voz própria, consciente e voluntariamente marginal e admirada por muitos dos seus pares", refere a ministra, que envia "sentidas condolências" à família e amigos de Manuel Cintra.

De acordo com a escritora Maria Quintans, hoje, em declarações à Lusa, Manuel Cintra morreu em casa, no Bairro Alto, onde residia sozinho, presumivelmente durante o fim de semana. "Ele foi encontrado em casa sem vida, na terça-feira", acrescentou a amiga do poeta. Manuel Cintra sofria há algum tempo de "graves problemas cardíacos, e terá dado uma queda".

O corpo de Manuel Cintra foi levado para o Instituto de Medicina Legal e, segundo Maria Quintans, com base em indicações da família, não haverá velório. O funeral será anunciado em breve.

Filho do linguista Luís Filipe Lindley Cintra e irmão do ator e encenador Luís Miguel Cintra, Manuel Cintra nasceu em Lisboa, em março de 1956.

Foi tradutor, jornalista, ator e encenador, sendo, no entanto, a poesia "a sua incontornável e apaixonada estrada", sublinhou a poeta e dramaturga Maria Quintans.

Manuel Cintra começou a publicar poesia em 1981, com o livro "Do Lado de Dentro", na Editorial Presença, a que se seguiram mais de duas dezenas de obras.

"Tangerina" (1990), "Borboleta" (2006), "Alçapão" (2009), "Marie" (2009), "Receber a Poeira" (2014), "Parto" (2014), "Peixa" (2016) são algumas das suas obras.

A editora Guilhotina publicou "Manobra Incompleta", em 2017, reunindo toda a poesia de Manuel Cintra.

"Geralmente escrevo o poema já pronto, quase sem correções. Faço os possíveis por não enlouquecer. Como sabemos, a poesia é uma arma, neste caso visceral. Sempre no limite. Sempre numa nova manobra. A evitar o acidente. Ou a vivê-lo a fundo", costumava dizer o escritor, citado por Maria Quintans.

Além de poeta, foi também tradutor e ator, tendo participado em várias produções do Teatro da Cornucópia, em particular, mas também do coletivo Maizum e do antigo Serviço de Animação, Criação Artística e Educação pela Arte (Acarte), da Fundação Calouste Gulbenkian.

Para o palco escreveu, por vezes em parceria, obras como "Conversa entre Um Contrabaixo e Uma Inquietação", "O Homem da Lua", "Rumor", "The little devil who came out of hell", "Conversa Surda" e "Bolero" (com José Carretas).

Com Maria Velho da Costa, traduziu "Que é feito de Betty Lemon?" e "Carta a uma filha", duas peças de Arnold Wesker, representadas, respetivamente, por Glicínia Quartin, no Centro Cultural de Belém, e pelo elebco do Teatro Nacional D. Maria II.

Entre outras obras, traduziu ainda "Casimiro e Carolina", de Ödön von Horváth, com Maria Amélia da Silva Melo, para o Teatro da Cornucópia.

Estreou-se no teatro com o espectáculo "O diário de um louco", de Nicolai Gogol, no qual assinou a cenografia.

O Centro de Estudos de Teatro da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa lembra que Manuel Cintra fez também parte de elencos de peças como "Muito Barulho por Nada" e "Ricardo III", de Shakespeare, "O Túnel", de Pär Lagerkvist, "Erros Meus, Má Fortuna, Amor Ardente", de Natália Correia, "La prose du transsiberien et de la petite Jeanne de France", de Blaise Cendrars, "O Público", de Federico Garcia Lorca, "A Margem da Alegria", a partir de Ruy Belo.

Entrou em filmes e séries de televisão, como "Solo de Violino", de Monique Rutler, "O Sapato de Cetim", de Manoel de Oliveira, "Ruy Blas", de Jacques Weber, "Lagardére", de Henri Helman, "O Monólogo do Rei Vitorioso", de Frederico Corado.

Em 2013 levou ao Jardim de Inverno do Teatro São Luiz, em Lisboa, um espetáculo com as canções da francesa Barbara. "Foram talvez elas que primeiro me fizeram estremecer para as palavras, para a mu´sica, para o prazer da voz", lê-se na folha de sala que acompanhou a atuação.

Organizou espetáculos e sessões de divulgação da poesia de autores como Carlos Drummond de Andrade e Ruy Belo, além de se assumir como `dizedor` dos seus próprios textos.

Escreveu sobre artes para o Diário de Lisboa, o Expresso e o Diário de Notícias.

Na sua página oficial no Facebook, multiplicam-se as homenagens e depoimentos de amigos, atores e autores, como o ator e encenador André Gago, e o escritor António Cabrita, que recordam a sua obra.

Poemas inéditos de Manuel Cintra surgem também na sua página, datados das últimas semanas, entre "Irritação" ("Eu era esse desenho animado ridículo, que descia a rua, embrulhado na merda da máscara, tão assassino como o vírus, a odiar estes tempos de catástrofe incerta") e "O vazio muito cheio" da "tristeza que se recebe sob a forma de alegria".

Numa dedicatória a Herberto Helder (1930-2015), o autor de "Os Passos em Volta", escreveu Manuel Cintra: "Será a hora e o frio que invadem a noite quando morre o poeta".

 

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