Primeira Granta com nova direção sai este mês com textos de Philip K. Dick

por Lusa

Lisboa, 17 mai 2019 (Lusa) -- Philip K. Dick e Margarida Vale do Gato são dois dos autores que assinam os textos da primeira Granta em língua portuguesa sob nova direção, dedicada ao tema "Futuro", que chega às livrarias no dia 24 deste mês.

"Inquietação" e "esperança" são os sentimentos que subjazem à ideia de futuro plasmada nos textos e nos ensaios fotográficos "de natureza absolutamente diversa" deste novo número da Granta, que "inaugura um novo ciclo" assegurado pelos escritores Pedro Mexia, em Portugal, e Gustavo Pacheco, no Brasil, e com direção de imagem de Daniel Blaufuks, explica a Tinta-da-China, editora responsável pela publicação desta revista literária.

A publicação da Granta em Língua Portuguesa N.º 3 acontece um dia depois da sua apresentação no Museu da Farmácia, em Lisboa, com a presença de Pedro Mexia, Daniel Blaufuks, Dulce Maria Cardoso e Valério Romão, um evento que pretende também assinalar os 170 anos de existência e os 40 anos do renascimento da revista.

Numa edição que se apresenta com dois ensaios fotográficos -- um da fotografa brasileira Cláudia Jaguaribe e outro do artista plástico português Miguel Soares, conhecido principalmente pelos seus trabalhos de animação inspirados na ficção científica -- e 15 textos, Pedro Mexia começa a introdução afirmando que "o futuro já não é o que era".

"As grandes narrativas esgotaram-se, as coleções de ficção científica perderam adeptos em favor das sagas de fantasia, a Previdência (e a Providência) é deficitária, o planeta aqueceu, e o teletransporte, que a série televisiva Espaço 1999 nos prometeu, não chegou a acontecer", explica de seguida.

Para o escritor e ensaísta, "passámos, no espaço de um século, do entusiasmo tecnológico e científico (a antecipação das novelas de Júlio Verne) ao `no future` que a geração punk anunciou".

"E agora até esse anúncio nos parece temerário, uma vez que a velocidade do futuro deixou para trás as frases sobre o futuro", acrescenta, notando que são vários os textos desta edição que tentam pensar o futuro como teoria, ou revisitam as teorias do futuro.

Já Gustavo Pacheco apresenta este número da Granta citando uma das "frases antológicas" do escritor Millôr Fernandes, que poderiam servir de epígrafe a esta edição: "Nunca faço planos p`ro futuro, mas ele faz cada um pra mim...".

Reportando-se à atual realidade brasileira, Gustavo Pacheco não resiste a recorrer novamente ao mesmo autor, que afirmou que "o Brasil tem um enorme passado pela frente. Ou um enorme futuro por detrás, se preferem", para depois adiantar que no momento histórico que se vive, "todos os textos brasileiros desta edição carregam em si certa aura de incómodo e desencanto".

Um dos textos em destaque nesta edição é o do escritor norte-americano de ficção científica Philip K. Dick, autor do livro que inspirou o filme "Blade Runner" e conhecido por ter antecipado nos seus livros o futuro de forma "precisa e percetiva", como afirma Gustavo Pacheco.

"Hoje, quando aquele futuro já se tornou presente, percebemos com assombro que as realidades delirantes e paranoicas criadas por Dick estão muito mais próximas de nós do que gostaríamos de admitir", acrescenta o autor de "Alguns humanos", editado em Portugal pela Tinta-da-China no ano passado.

O que se pode ler neste número da Granta é um conjunto de trechos da sua criação mais longa, menos conhecida e "talvez mais radical": a "Exegese", um diário de oito mil páginas escrito nos últimos oito anos de vida, onde Dick tentou encontrar respostas para suas experiências místicas e, quem sabe, para todas as grandes questões da existência.

"Não é para os fracos", afirma Gustavo Pacheco, razão por que foi pedido ao escritor António Xerxenesky, especialista na obra de Philip K. Dick, que escrevesse um texto introdutório, especialmente para este número da Granta.

Gustavo Pacheco termina assinalando que, apesar de os romances e contos de Philip K. Dick terem sido adaptados ao cinema várias vezes, muitos consideram que o filme que melhor captou a sua visão perturbadora do futuro não é uma adaptação direta da sua obra.

"É uma longa-metragem de 1985, dirigida por Terry Gilliam, que apresenta um país fictício, bizarro e totalitário. O nome do filme é `Brazil`".

Os outros textos literários da Granta incluem uma cartografia da utopia, pelo filósofo Paulo Tunhas, o apocalipse na História, pelo geógrafo Álvaro Domingues, ou uma análise de Rogério Casanova à declinação do futuro "futurologia", para demonstrar que os sábios da "ciência do futuro" não vão muito além de teorias imprecisas e `kitsch`, "bem reveladoras daquilo que sabemos sobre o futuro: quase nada", diz Pedro Mexia.

Existem também as abordagens ficcionais, como a da poeta e tradutora Margarida Vale de Gato, que se estreia no conto imaginando um futuro teológico, passado num purgatório.

Rick Moody imagina um futuro em que uma organização oferece a todos os seus clientes os meios de construir um memorial videográfico aos seus entes queridos mortos, ao passo que a romancista Anita Brookner, falecida em 2016, deixou um conto centrado num conjunto de conjeturas sobre as imagens fotográficas de um casamento.

Ricardo Domeneck e Julia Wahmann fazem, cada um à sua maneira, pensar no quão indomesticável é o futuro e, ao mesmo tempo, quão indomesticável é o desejo de o domesticar, explica.

Já nos textos de Joca Reiners Terron e Ana Paula Maia "o futuro ganha tintas distopicamente realistas e proporções épicas", o primeiro centrando-se no destino de um povo indígena brasileiro, pondo em questão as fronteiras entre o existencial e o político, enquanto o segundo apresenta uma galeria de homens rudes, lugares agrestes e ocupações violentas, adianta Pacheco.

Jillian Weise assume a identidade de ciborgue e Eugene Lim pega no mote da precarização acelerada do trabalho.

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