Realizador Pedro Peralta fala de dignidade em tempos de ditadura num filme sobre o franquismo

por Lusa

O realizador português Pedro Peralta estreia, no dia 23, no festival de cinema de San Sebastián, em Espanha, "Noite Perpétua", uma curta-metragem sobre amor e dignidade, a partir de um acontecimento verídico do pós-guerra civil espanhola.

"Estou muito curioso para perceber a reação do público, não tenho noção que diálogo pode despontar. Uma das razões que me leva a ficar contente por ser selecionado para San Sebastián é ser o festival espanhol mais importante, e acontecer no país basco, que foi sempre um bastião de resistência ao regime franquista", afirmou Pedro Peralta à agência Lusa.

"Noite Perpétua" recria a situação ocorrida em 1939, em Castuera, Espanha, onde Matilde Morillo Sanchez, mulher de um republicano, foi abordada em casa por dois guardas para `dar um passeio`. Percebendo que iria ser executada, a mulher pede para amamentar a filha recém-nascida antes de sair.

Matilde Morillo Sanchez existiu na realidade e o corpo nunca foi encontrado, sendo uma das milhares de vítimas da repressão durante a ditadura de Franco, em Espanha.

É aquela situação doméstica e familiar, antes da mulher ser levada pela polícia, que Pedro Peralta recria em 17 minutos de um filme "formalmente rigoroso na planificação da `mise-en-scène`", e com a participação de não atores.

"Interessa-me profundamente esta situação limite de uma pessoa que se vê confrontada com a iminência da morte. Ela responde com amor, com a dignidade dela face a uma profunda injustiça. Esta questão toca em algo fundamental para mim: Se a morte é inevitável, que vida viver?", afirmou Pedro Peralta.

"Noite perpétua" terá estreia na quarta-feira, em San Sebastián, numa altura em que o governo espanhol acaba de apresentar o projeto de "Lei da Memória Democrática" para reparar e reconhecer definitivamente as vítimas do franquismo e acabar com a exaltação da antiga ditadura.

"A questão da recuperação da memória histórica tem sido um processo lento, cínico e dissimulado. Espanha é um país profundamente dividido", recorda Pedro Peralta, e é por isso que diz estar curioso em saber como será o filme recebido em Espanha.

O projeto de lei espanhol foi uma das promessas eleitorais do primeiro-ministro, Pedro Sánchez, e tem por base a Lei da Memória Histórica aprovada em 2007, que os familiares das vítimas da Guerra Civil de 1936-39 e da ditadura franquista, que se lhe seguiu, consideram ser insuficiente.

Um dos aspetos mais controversos e contestados pelos saudosistas do regime anterior é a proibição prevista para as organizações que fazem a apologia do franquismo e que atualmente beneficiam de dinheiros públicos ou reduções fiscais, como a Fundação Francisco Franco.

O projeto de Lei da Memória Democrática inicia agora o processo de aprovação parlamentar, que deverá demorar vários meses até ser, eventualmente, aprovado.

Mais de 500.000 pessoas morreram na guerra entre as forças nacionalistas rebeldes lideradas por Francisco Franco e os defensores de uma república espanhola de curta duração.

Franco declarou vitória a 1 de Abril de 1939, e governou com punho de ferro até à sua morte em 1975.

"Noite Perpétua" está integrado na secção competitiva Zabaltegi-Tabakalera, do festival, na qual estão também os filmes "Simon Chama", primeira longa-metragem de Marta Sousa Ribeiro, e "A metamorfose dos pássaros", de Catarina Vasconcelos, que chega a San Sebastian com um rasto de prémios noutros festivais.

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