António Costa. Fundo europeu de recuperação "não é nova troika"

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Francois Lenoir, Reuters

O primeiro-ministro António Costa considera que o fundo desenhado pela União Europeia para a recuperação das economias dos Estados-membros mais afetados pela pandemia de covid-19 consiste num "plano muito equilibrado". A emissão conjunta de dívida é uma oportunidade única para empresas, trabalhadores e famílias que "não deve ser desperdiçada", referiu o primeiro-ministro português numa entrevista ao espanhol La Vanguardia. Ainda sobre a pandemia, Costa reiterou a intenção de reabrir fronteiras com Espanha já a 1 de julho.

António Costa deu uma entrevista ao La Vanguardia a propósito da reabertura da fronteira Portugal-Espanha já no arranque de julho, mas não foi este o único tema abordado, merecendo destaque o tema do fundo de recuperação que vem sendo negociado a muito custo em Bruxelas para injetar dinheiro nas economias europeias, muito desgastadas com a paralisação imposta pela progressão da pandemia de covid-19 no Velho Continente.

Sobre esse plano económico que deve ser submetido à aprovação pelo Conselho Europeu no próximo mês de julho, António Costa considera que se trata de um programa “muito equilibrado do ponto de vista dos subsídios, empréstimos e da solução encontrada para uma emissão conjunta de dívida”.

Neste sentido, o primeiro-ministro português vê o próximo Conselho Europeu como “uma oportunidade única que teremos em julho, no primeiro Conselho da Presidência alemã, para poder aprovar este programa”.

“As empresas, os trabalhadores e as famílias precisam de respostas urgentes a esta pandemia económica e social, a outra dimensão da covid-19”, sublinhou.
Estratégia conjunta é a única solução

Sobre o esgotar do tempo, com os números das economias mais afetadas a manterem uma progressão negativa face à permanência do novo coronavírus no plano sócio-económico, além do sanitário, o chefe do executivo português lembrou que “há alturas em que os políticos não têm escolha a não ser fazer o que é necessário” e “ isso é muito claro”.

“O tempo não pode ser desperdiçado, porque a crise requer uma resposta urgente para todos, não só para Espanha, Itália ou Portugal, mas para todos os países, também para aqueles que mais beneficiam do mercado interno. É essencial para uma recuperação global da economia”, sublinhou Costa, para alertar que esta é uma situação “em que todos dependemos uns dos outros”.

Prosseguindo esta ideia, questionado pelo La Vanguardia sobre a estratégia conjunta face ao novo coronavírus, o primeiro-ministro usou da ironia: “Podemos perder uma, duas, três semanas... Mas, no final, apenas fica a opção de aprovar a proposta da Comissão, que tem um bom equilíbrio para todos, tanto para os que exigiram um orçamento ambicioso como para os ‘frugais’. Temos de nos concentrar no essencial, que é conseguir um programa suficientemente robusto para responder a esta crise”.

Neste sentido, Costa deixou o alerta para o facto de, não aprovando o plano de recuperação em julho, este não entrar em vigor logo em janeiro, no arranque de 2021, “altura em que estaremos com quase um ano de crise e já provavelmente com uma segunda vaga” da pandemia.

“A hora para agir é agora”, propugnou António Costa, lembrando que este plano “não é uma nova troika. Cada país vai fazer o seu programa, à sua medida, respeitando os objetivos e regras comuns”.
Oposição à oposição dos 'frugais'

António Costa foi o primeiro chefe de Governo da União a reagir à oposição de alguns países do Norte da Europa quando a Comissão deu os primeiros sinais de que estava disponível para assinar uma ajuda inédita aos Estados-membros, com uma modalidade o mais próxima possível dos eurobonds (ou coronabonds, como chegaram a ser apelidados). Essa ideia de “mutualização da dívida” mereceu logo a oposição do grupo dos frugais, onde se destacou a Holanda pelas suas declarações infelizes.

Questionado sobre se mantinha as críticas que então dirigiu ao responsável das finanças holandês, António Costa explicou que, quando falou, “se tratou de uma reação a uma intervenção muito infeliz do ministro das Finanças [Wopke Hoekstra] em relação a Espanha e Itália”.

“Esse discurso é repugnante”, foram as palavras de António Costa face ao discurso do ministro holandês das Finanças numa reunião do Eurogrupo. Hoekstra haveria, mais tarde, de recuar e admitir que as suas declarações teriam sido demasiado inflamadas.

“Era necessária uma resposta muito forte e muito clara. Acho que já passámos esta fase. No último Conselho, apesar da existência de opiniões diferentes, houve um espírito construtivo, que nada tem a ver com a posição inquisitorial da declaração daquele ministro.

Nenhum país pode queixar-se de Bruxelas. Hoje só nos podemos queixar das capitais”, afirmou Costa ao La Vanguardia.

Ainda sobre a dimensão económica da pandemia, António Costa deixou uma advertência: “Temos de perceber que [a recuperação] vai ser muito difícil, porque não vamos voltar aos índices de fevereiro de 2020 nem num mês, nem num ano. Provavelmente vai levar pelo menos dois anos para voltar ao nível em que estávamos quando a covid-19 apareceu”.
O milagre português?

Questionado sobre os bons números portugueses em termos de taxa de mortalidade por covid-19 quando comparados com outros países europeus como Espanha, Itália, França o Reino Unido, António Costa mostrou-se cauteloso, afirmando que “temos de ser muito comedidos com comparações, porque os critérios seguidos [pelos vários países] continuam a ser muito diferentes”.

“Desde o início que o nosso objetivo é tentar controlar o desenvolvimento da pandemia, preservar a capacidade dos serviços de saúde, proteger os idosos e a população em risco. Concentrámo-nos primeiro em evitar o crescimento exponencial. Depois passámos para uma segunda fase, na qual estamos, de manter um programa de testes proactivo para identificar e isolar os riscos de infeção”, acrescentou.

Sobre o surgimento de novos surtos de covid-19 em Portugal, como tem sucedido nas últimas semanas, particularmente na região de Lisboa, o primeiro-ministro considera que se trata de uma possibilidade que devemos sempre ter em conta: “Mesmo numa situação sob controlo existe sempre esse risco de novos surtos que podem alterar a realidade estatística, como vimos esta semana”.

Neste contexto, questionado acerca das recentes medidas tomadas para “confinar 19 zonas da região de Lisboa”, António Costa explicou o plano desenhado para a capital: “Não se trata de Lisboa, mas alguns bairros dos concelhos vizinhos. Não há agravamento. Nestas áreas não houve a redução generalizada que se verificou em todo o território. São 19 freguesias do total de 3.091 do país”.

“A nossa acção visa reduzir o número de casos, que afetam a população jovem e assintomática, apenas detetados pelos testes proactivos que fazemos”, explicou Costa, para acrescentar que “a taxa de ocupação hospitalar se mantém nos 63%”.

Neste contexto, abordado o tema da reabertura das fronteiras na Europa, o primeiro-ministro português manteve 1 de julho como o dia em que será restabelecida a passagem livre entre os dois países ibéricos: “Celebraremos com toda a dignidade nesse dia a abertura da nossa fronteira, a mais antiga da Europa e que, infelizmente, tivemos fechada nestes meses”.
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