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Ausência do russo VTB e "obstáculos" da PGR ameaçam julgamento britânico

por Lusa

O banco russo VTB deixou de ter advogados no caso das dívidas ocultas de Moçambique na justiça britânica, criando incerteza no caso também afetado pelas dificuldades da Procuradoria-Geral da República em partilhar documentos oficiais, foi hoje discutido em Londres.

A audiência de gestão processual que decorreu no Tribunal Comercial de Londres foi a primeira em que a sociedade de advogados Freshfields não interveio em nome do VTB, após ter cessado o contrato para cumprir as sanções aplicadas ao banco russo por causa da guerra na Ucrânia. 

O juiz Robin Knowles disse que o VTB continua a fazer parte do caso e sujeito às mesmas obrigações, pelo que "pode a certa altura ter consequências se não cumprir ou não puder avançar o caso".

"Se tal acontecer, se o VTB quiser, após um período inatividade, tomar parte ativa novamente, tal será considerado na altura (...). Pode ser demasiado tarde ou não, e pode haver condições", afirmou. 

A Freshfields anunciou em março que iria deixar de representar o VTB, que está sujeito a sanções de congelamento de bens e excluído do sistema de transações bancárias, o que inviabiliza pagamentos aos advogados. 

Num comunicado, anunciou que recusava-se a representar "empresas ou indivíduos com laços estreitos com o Estado russo, com relações com o regime de liderança em geral e/ou que desempenhem um papel no apoio ou facilitação da atual ação militar russa".

Jonathan Adkin, advogado que representa a Procuradoria-Geral da República (PGR) de Moçambique, que iniciou os procedimentos judiciais em Londres, referiu a "crescente incerteza relacionada com o VTB" em cumprir o calendário processual previsto até ao início do julgamento em outubro de 2023. 

Pelo seu lado, Adkin confirmou que a PGR não vai conseguir cumprir o prazo previsto de partilhar os documentos que sustentam a acusação, pedindo um adiamento de três meses, de setembro para dezembro.

"É uma situação muito complicada para a República", admitiu o causídico britânico, alegando que a recolha de documentos envolve departamentos, subdepartamentos estatais e entidades públicas como o Banco de Moçambique. 

A falta de um sistema sofisticado de arquivo digital de documentos, a existência de muita informação em papel, todos em língua portuguesa, e a falta de recursos financeiros criam desafios adicionais para juntar toda a documentação.

"Para dar uma ideia, o orçamento total da República equivale a 20% das receitas do Credit Suisse, o que mostra a dimensão dos desafios neste exercício, isto sem falar de questões de segredo de Estado", vincou.  

A divulgação  (`disclosure`) dos documentos usados pelas respetivas partes para construir os seus casos é obrigatória antes do início do julgamento. 

Embora tenha reconhecido a incerteza criada pela ausência do VTB, o advogado que representa o banco Credit Suisse, Andrew Hunter, considerou que o "principal elefante na sala é a falta de divulgação da República". 

"É central para o caso porque vai ter documentos mais críticos sobre funcionários, transações, contratos, quem interveio e é isso que precisamos para um tribunal justo", vincou. 

Hunter lamentou os constantes "obstáculos" levantados pela PGR no acesso a documentos, seja o atual processo criminal em julgamento em Maputo sobre as dívidas ocultas, seja outros documentos, como correios eletrónicos. 

"Estamos em abril em 2022 e a República não tem nada para nos mostrar, tudo o que fez foi identificar obstáculos que poderão impedir qualquer divulgação. Se isso acontecer, vamos ter um problema muito grande em termos de justiça do julgamento", avisou, opondo-se a um adiamento no calendário previsto. 

Também o grupo naval Privinvest, através do advogado Duncan Matthews, criticou a "confusão" criada pelos atrasos da PGR, lembrando que as autoridades já tiveram tempo para juntar os documentos tendo em conta que estão a investigar o escândalo há sete anos. 

O advogado criticou também a "absurda" falta de envolvimento do atual Presidente da República, Filipe Nyusi, que foi arrolado para o processo, mas não respondeu. 

"O antigo ministro da Defesa resiste à revelação de documentos com a desculpa de que são secretos", criticou. 

Sensível à "importância fundamental" da divulgação dos documentos por todas as partes para o julgamento, o juiz Robin Knowles recusou aceder ao adiamento pedido por Moçambique. 

"Em último caso, se a divulgação for inadequada, poderá haver consequências de grande gravidade, incluindo sanções, como a eliminação" das partes que violem o roteiro, advertiu o magistrado. 

Uma nova audiência está prevista para meados de junho para avaliar os progressos e a eventual necessidade de reajustar o calendário do julgamento. 

Iniciado pela PGR em nome da República de Moçambique em 2019, o processo na justiça britânica pretende tentar anular a dívida de 622 milhões de dólares da empresa estatal Proindicus ao banco Credit Suisse e obter uma indemnização que cubra todas as perdas resultantes do escândalo das dívidas ocultas.

Em causa estão as dívidas ocultas do Estado moçambicano de cerca de dois mil milhões de dólares (1,8 mil milhões de euros) contraídas entre 2013 a 2014 em forma de crédito junto das filiais britânicas dos bancos de investimentos Credit Suisse e VTB em nome das empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM.

O financiamento destinava-se à aquisição de barcos de pesca do atum e para equipamento e serviços de segurança marítima fornecidos pelas empresas da Privinvest.

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