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Bruxelas prepara novas regras para tributação de empresas digitais

por Andreia Martins - RTP
Benoit Tessier - Reuters

A Comissão Europeia propôs esta quarta-feira a adoção de novas regras para garantir uma tributação “mais equitativa” das atividades digitais nos Estados-membros. Esta medida poderá permitir a imposição de taxas às empresas digitais sobre os respetivos lucros gerados, mesmo quando não tem uma presença física no país em causa. Mas nem todos os países da União Europeia estão de acordo com a proposta.

Gigantes como a Facebook, Google, Amazon ou Apple poderão passar ter uma tributação mais apertada nos vários países da União Europeia. Com a proposta de uma nova taxa digital, a Comissão pretende captar impostos a partir as receitas de multinacionais que operam no digital nos vários Estados-membros.  

A nova taxa digital foi apresentada esta quarta-feira pelo comissário europeu responsável pelos Assuntos Económicos, Pierre Moscovici, que garante que se pretende, com a medida, tornar a tributação das empresas “mais equitativa” e não constitui um ataque deliberado contra multinacionais como o Facebook ou a Apple ou uma investida contra Sillicon Valley ou contra os Estados Unidos.  

A Comissão esclarece que as multinacionais do mundo digital enfrentam um imposto efetivo de 9,5 por cento, muito inferior à taxa de 23,2 por cento a que as empresas tradicionais estão sujeitas.  

“As nossas regras são anteriores à Internet e não permitem que os Estados-membros tributem as empresas digitais que operam na Europa, quando estas têm pouca ou nenhuma presença nesses países. Isso representa um buraco cada vez maior devido à erosão da matéria que é coletável”, explicou o comissário Pierre Moscovici.   

Mais esclarece que o sistema sugerido é provisório, pelo menos até que seja implementada uma reforma global. Esta medida, esclarece a Comissão, iria evitar a possibilidade de dupla tributação por parte de dois ou mais diferentes países, em caso de aplicação unilateral de taxas diferentes por diversos Estados-membros. Até porque, com esta taxa, seria estabelecida uma ligação concreta entre o local onde os lucros digitais da empresa são gerados e onde estes são tributados.  

Numa primeira fase, seria aplicada uma taxa provisória apenas a empresas com total de receitas anuais equivalentes a 750 milhões de euros a nível mundial e de 50 milhões de euros ao nível da União Europeia. Mediante uma estimativa da Comissão, um imposto provisório desta natureza de 3% significaria um encaixe de cinco mil milhões de euros para o conjunto dos Estados-membros. Pelos cálculos da Comissão, a medida afetaria cerca de 100 empresas mundiais.  

Para já, esta taxa provisória seria aplicada às receitas em atividades em que os utilizadores desempenham um papel importante na criação de valor: por exemplo, pela venda de espaços publicitários, atividades digitais intermédias que possam facilitar a venda de bens e serviços aos utilizadores, ou a venda de dados gerados a partir das informações cedidas pelos utilizadores.  

A medida transitória serviria para evitar a aplicação de taxas por Estados-membros a título individual. No entanto, a segunda proposta apresentada esta quarta-feira pela Comissão Europeia prevê uma reforma profunda, permanente, das regras de tributação quando as empresas dispõem de presença digital “tributável”.

Segundo os critérios de Bruxelas, a empresa digital seria alvo destas taxas ao ultrapassar sete milhões de receitas anuais num Estado-membro, quando o número de utilizadores num determinado país é superior a 100 mil utilizadores por ano ou quando a empresa celebrou mais de 3.000 contratos comerciais relativos a serviços digitais com utilizadores empresariais ao longo de um ano fiscal. 
Divergência entre Estados-membros
A agência Reuters destacava esta quinta-feira que nem todos os países concordam para já com a aplicação de taxas desta natureza. De um lado estão, sobretudo, os países de menor dimensão, como a Irlanda ou o Luxemburgo, países onde as tributações são reduzidas, de outro estão países como a Alemanha ou França.

Segundo estes países de maior dimensão, as empresas ligadas ao mundo tecnológico aproveitam-se destas taxas reduzidas em determinados países, perante os quais declaram os seus lucros de forma a pagar menos impostos. Os Estados-membros mais pequenos receiam que esta nova taxa possa colocar em perigo a atratividade perante várias empresas multinacionais.

Em reação à proposta apresentada pela Comissão Europeia, o primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, considerou que se trata de uma medida temporária “irrefletida” que coloca em desvantagem os Estados-membros de menor dimensão.  

“A Irlanda está comprometida com a reforma fiscal global. Mas entendemos que são necessárias soluções globais. Consideramos que a União Europeia deve esperar que a OCDE termine o seu trabalho antes de decidir como deve agir” disse ainda o chefe de Governo no Parlamento nacional.  

Num relatório publicado no passado dia 16 de março, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), indicava que ainda não foi possível obter um consenso global sobre a melhor forma de impor taxas aos serviços e empresas do mundo digital.  

Quem também já reagiu à proposta foi a Information Technology Industry Council, que representa empresas de enorme peso como a Amazon, Apple, Facebook ou eBay, que considerou, em comunicado, que a proposta da Comissão Europeia “prejudica o clima de segurança dos negócios na Europa e pode ter impacto no comércio e investimento vindo de empresas em todo o mundo”.  

Na semana passada, o secretário de Estado do Tesouro dos EUA Steven Mnuchin mostrou-se contra uma discriminação contra as companhias que operam no digital, salientando que se tratam de uma fonte de “muitos empregos”, bem como do crescimento económico norte-americano.  

De realçar que esta nova proposta de Bruxelas surge numa altura de tensão com a administração Trump e com os Estados Unidos. No início do mês, o Presidente norte-americano anunciou a imposição de novas taxas sobre o aço e o alumínio que chegam aos Estados Unidos.  

Já esta semana está a ser marcada por uma polémica que envolve o Facebook. A empresa terá permitido o acesso indevido à informação de mais de 50 milhões de utilizadores pela consultora Cambridge Analytica de forma a influenciar as últimas eleições presidenciais norte-americanas e o referendo que ditou o Brexit.  

A proposta apresentada esta quarta-feira pela Comissão Europeia está, no entanto, muito longe de ser aprovada e necessita de uma aprovação unânime por parte de todos os 28 Estados-membros para entrar em vigor.  

O assunto vai ser alvo de discussão entre os líderes da UE na cimeira da Primavera, que decorre entre quinta e sexta-feira (22 e 23 de março) em Bruxelas e no próximo encontro do Eurogrupo, que acontece no próximo mês na Bulgária. As negociações para aprovar esta nova taxa poderão demorar vários meses ou mesmo anos.  

Esta proposta de Bruxelas vem ao encontro do que já tinha sido defendido pelo Governo português em fevereiro, quando o primeiro-ministro defendeu em Bruxelas a criação de quatro novos impostos a nível europeu para aumentar as receitas da União Europeia, incluindo a tributação sobre a economia digital, ajudando a fazer face à queda de receitas representada pelo Brexit.  

Na análise de Philip Stephens, do Financial Times, a ausência de taxas aplicadas a companhias do mundo digital constitui “uma arma poderosa nas mãos de populistas anti-globalização espalhados pela Europa” e permitirá capturar “lucros escondidos” das companhias ligadas à tecnologia, que têm conseguido escapar num sistema que foi “desenhado para um mundo pré-digital”.
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