Bruxelas reconhece importância de salvar TAP mas sem distorcer concorrência

por Lusa
Lusa

A Comissão Europeia reconhece a importância de o Estado português salvar a TAP, mas receia que o auxílio de 3.200 milhões à reestruturação viole as regras de concorrência e duvida que o mesmo garanta de vez a viabilidade da companhia.

As observações e inquietações de Bruxelas constam de uma carta enviada pela comissária da Concorrência, Margrethe Vestager, às autoridades portuguesas, datada de 16 de julho passado, data em que a Comissão Europeia anunciou uma investigação ao auxílio estatal de 3.200 milhões à reestruturação da TAP, e entretanto publicada na `site` do executivo comunitário, após eliminada a informação considerada confidencial.

Ao longo de 25 páginas, os serviços da Comissão recordam todo o histórico do processo e as dificuldades da transportadora área nacional, que levaram o Estado português a decidir um auxílio de 3.200 milhões de euros com o objetivo de financiar um plano de reestruturação do grupo através da TAP Air Portugal, notificado a Bruxelas em 10 de junho de 2021, mas sobre o qual a Comissão Europeia quer ainda mais clarificações para poder dar a sua indispensável `luz verde`.

No documento tornado público no sítio de Internet da Comissão, são omitidos diversos detalhes do plano de reestruturação, com os valores exatos de redução de aviões da frota, das rotas e do número de trabalhadores, por exemplo, a serem substituídos por reticências entre parêntesis retos, conforme previsto nos Tratados da UE para informação coberta por sigilo profissional, o mesmo sucedendo com a tabela com todas as projeções financeiras para o período de reestruturação, até 2025.

Apontando que o objetivo da ajuda à reestruturação "é evitar que a TAP SGPS e, como consequência, a TAP Air Portugal, se extinga devido às dificuldades que tem vindo a sentir e que foram substancialmente agravadas pela crise da covid-19", a Comissão reconhece que, "com base nas informações fornecidas pelas autoridades portuguesas", existe efetivamente "um risco concreto de incumprimento imediato", por parte da empresa, das suas obrigações de pagamento, o que pode levar a "uma interrupção da atividade de transporte aéreo em curso da TAP Air Portugal".

É então que Bruxelas assume a importância da companhia área nacional, apontando que "a TAP Air Portugal é um importante fornecedor de conectividade para passageiros da diáspora lusófona", desempenhando em particular "um papel crucial para a conectividade de Portugal e de toda a Europa com o Brasil, Angola, Moçambique e São Tomé e Príncipe".

"Embora os serviços da TAP Air Portugal pudessem teoricamente ser substituídos por vários operadores dentro do período de tempo do plano de reestruturação, tal substituição só poderia ser parcial e implicaria um agravamento de vulto dos serviços, em particular para clientes localizados em Portugal", que muito provavelmente deixariam de beneficiar de voos diretos para destinos no estrangeiro a partir de Lisboa, observa o documento da Comissão.

Por outro lado, Bruxelas reconhece que a TAP "está estreitamente associada ao setor do turismo em Portugal, que tem sido de grande importância para a economia do país e para a recuperação após a crise de 2008", sendo um dos maiores empregadores do país, responsável por mais de 110.000 postos de trabalho indiretos, números que "demonstram que uma possível insolvência que a TAP SGPS enfrentaria na ausência da ajuda à reestruturação teria um efeito de arrastamento negativo significativo em toda a economia portuguesa".

Contudo, a Comissão sublinha também que, para autorizar o auxílio estatal, precisa de avaliar melhor a conformidade do plano de reestruturação proposto e dos auxílios conexos com as condições previstas nas orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação, razão pela qual decidiu lançar uma investigação, no mesmo dia em que, numa decisão separada, `confirmou` a validade do empréstimo de emergência de 1.200 milhões de euros concedido à TAP em 2020, e entretanto contestado pela companhia Ryanair com recurso ao Tribunal da UE.

Uma das grandes inquietações de Bruxelas é a possível violação das regras de concorrência no mercado único, até porque, recorda a Comissão, "o setor do transporte aéreo de passageiros e dos serviços de carga em que o beneficiário está ativo está aberto à concorrência e ao comércio entre os Estados-membros" e "outras companhias aéreas licenciadas na União Europeia prestam serviços de transporte aéreo ligando os aeroportos portugueses, em particular Lisboa, a outras cidades da União".

Notando que os apoios à TAP "são suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados-membros", o executivo comunitário aponta que o financiamento público da companhia poderá melhorar a posição da mesma "em relação a empresas concorrentes reais ou potenciais, que não têm acesso ao apoio semelhante do Estado português ou que têm de financiar operações em condições de mercado".

"O aumento de capital e a garantia dos empréstimos, consequentemente, distorcem ou ameaçam distorcer a concorrência", alerta a Comissão, que manifesta dúvidas de que as medidas contempladas no plano de reestruturação com vista a limitar as distorções da concorrência "sejam suficientes para atenuar o efeito de distorção do apoio substancial do Estado previsto para ser concedido à TAP SGPS".

Um dos exemplos dados pela Comissão é o da "posição forte" detida pela TAP nos `slots` (faixas horárias) no aeroporto de Lisboa, "altamente congestionado".

Por fim, Bruxelas pretende também ter mais garantias de que o plano de reestruturação garantirá efetivamente a viabilidade da TAP a longo prazo "sem necessidade de apoio estatal continuado", e aponta que as projeções incluídas no plano português "estão repletas de várias incertezas, sendo a mais significativa delas a evolução da procura até ao final de 2025 em cenários de muito stresse, que exigiriam mais ajuda".

"Como resultado, o plano precisa de ser verificado quanto à sua solidez, às hipóteses e aos seus vários elementos em tais cenários. Além disso, a duração de um regresso à viabilidade a longo prazo baseia-se num plano de reestruturação com uma duração superior a cinco anos e que, além disso, levanta dúvidas quanto à proporcionalidade do auxílio à reestruturação e às medidas de limitação das distorções da concorrência, que a Comissão considera insuficientes nesta fase", lê-se na missiva dirigida por Vestager ao Governo.

Na missiva é indicado o prazo de um mês, a partir da data de receção da carta, para as autoridades portuguesas se pronunciarem, através de comentários e providenciando toda a informação útil que ajude a esclarecer que efetivamente a legislação comunitária está a ser cumprida, o que significa que a resposta de Lisboa deve chegar a Bruxelas até 16 de agosto.

Outras partes interessadas, designadamente companhias áreas concorrentes - com Ryanair e Easyjet à cabeça -, podem igualmente enviar comentários e observações a Bruxelas.

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