Calma e descontração sueca. A estratégia de "laissez-faire" contra um coronavírus à solta

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Um bar de Estocolmo assegura aos seus clientes que permanecem abertos, apesar da pandemia. Reuters

Medidas restritivas suaves e confiança na responsabilidade individual. Parece serem estes os dois eixos em que assenta a estratégia do governo sueco para fazer face à pandemia do novo coronavírus, malgrado o país apresentar das taxas de mortalidade mais altas da Europa por morte de covid-19. Uma atitude assumida pelo primeiro-ministro Stefan Löfven que contrasta com um movimento generalizado de confinamento vigiado por todo o globo e, também, logo ali nos vizinhos nórdicos. E a Organização Mundial da Saúde não diz que não seja uma estratégia válida.

A ideia defendida pelo governo sueco é de que estamos perante uma maratona, com uma ameaça que não está para desaparecer nos tempos mais próximos. É uma visão próxima daquela defendida por vários países que inicialmente apontaram a “imunidade de manada” como uma adaptação aos novos tempos com um vírus mortal à solta.

Perante as críticas do cidadão comum, muitos destes países viraram as agulhas da política sanitária que estava a custar milhares de vidas diariamente e decretaram confinamentos mais ou menos restritivos. Mas outros houve que pesaram os custos económicos e abriram alas a um novo adágio: a cura pode custar mais vidas no futuro do que a própria doença.

Em causa estão fundamentalmente o desemprego e as falências que ameaçam enterrar as economias numa crise mais profunda do que aquela de 2008. Foi o caso dos Estados Unidos e do Brasil, onde são os próprios cidadãos a manifestar nas ruas o desejo de reabertura, apesar de todos os riscos que a situação representa para a própria vida.

Há vários meses a trilhar uma estratégia titubeante, com declarações que conseguem contradizer-se no espaço de poucas semanas, a OMS, apesar de apelar ao confinamento como medida mais eficaz para derrotar este novo coronavírus, já defendeu também que a estratégia sueca, levada adiante com um custo de vidas diário apenas comparável com as estatísticas italiana, espanhola e britânica, “poderá representar a nova normalidade” em tempos de pandemia. O director do Programa de Emergências Sanitárias da OMS, Michael Ryan, defendia ainda há poucas semanas uma posição diametralmente oposta ao alerta deixado há dias pela organização sobre as expectativas demasiado altas que estavam a ser postas na estratégia de “imunidade de manada”, um alerta acompanhado por números: os estudos apenas encontraram anticorpos em 1-10% da população mundial.

De facto, no início desta semana a Suécia saltou para as primeiras páginas com a indesejada marca de país europeu com mais mortes per capita devido a covid-19 nos últimos sete dias consecutivos (12-19 Maio): 6,5 mortes diárias por milhão de habitantes. Em termos absolutos, o país apenas era superado nessa contabilidade negra por Itália, Espanha e Reino Unido.

Acresce que os números suecos estão bem acima dos seus vizinhos mais próximos, Noruega, Dinamarca e Finlândia, países válidos para uma comparação mais rigorosa, já que têm sistemas de segurança social e demografias semelhantes. A variável na equação nórdica está no facto de aquele trio ter optado por uma política de confinamento.

Há ainda outro factor do contexto sueco que, embora prometedor, não representa necessariamente um sinal positivo para a estratégia de “laissez-faire”: o governo esperava que o vírus se espalhasse de forma constante e uniforme, não apresentando picos que levassem o sistema de saúde ao colapso. De facto, dizem os responsáveis da saúde do país, o sistema tem sido capaz de lidar com o número de casos que têm surgido; e mantém expectativas de continuar a funcionar de forma eficaz numa eventual segunda vaga, garante Klara Bergmark, chefe da unidade de cuidados intensivos do Hospital Danderyd, na área de Estocolmo.

Trata-se de uma estratégia que obedece à visão de longo prazo propugnada pelo epidemiologista Angels Tegnell, a ideia de que não estamos perante um sprint contra o novo coronavírus mas uma maratona. No entanto, o facto de a corrida ter já custado mais cinco vezes de vidas suecas do que dinamarquesas é um sinal de que o relaxamento poderá não ser a melhor base para a luta contra o coronavírus.

E uma leitura dos dados demográficos também não favorece a Suécia: a densidade populacional sueca é consideravelmente baixa (25 habitantes por km2) quando comparada, por exemplo, com a Alemanha (234 habitantes por km2). Esta realidade proporciona um afastamento social natural, mas que nem assim evitou a alta taxa de mortalidade por covid-19, uma contabilidade escalante que também não foi impedida por indicadores tão satisfatórios como o baixo nível de doenças como a diabetes (6,5%, face aos 9,4% de Espanha) ou a obesidade (13%, face aos 40% dos Estados Unidos).
Que ganhos trouxe a tempestade?

O sacrifício sueco é suposto ter proporcionado alguma espécie de vantagem para os meses que se seguem na batalha contra a pandemia de covid-19. O mais esperado pelas políticas de saúde de Estocolmo seria uma população relativamente equipada para novos contactos com o novo coronavírus: a tão desejada imunidade.

Com normas raramente obrigatórias e a roçarem o conselho de amigo, apenas os alunos acima dos 16 anos foram dispensados das aulas presenciais, optando-se pelo ensino à distância. É também recomendado evitar viagens não-essenciais, o teletrabalho e que os mais velhos ou aqueles com problemas de saúde fiquem em casa tanto quanto possível.

O governo proibiu os ajuntamentos de mais de 50 pessoas, mas, de resto, subsistiu na política do governo sueco a ideia de confiança na responsabilidade social e individual dos cidadãos do país. Comércio, restaurantes e ginásios mantiveram as portas abertas. De acordo com os dados da Google, em Estocolmo, as idas ao café ou às compras caíram entre 20 e 40%; os passageiros em transportes públicos reduziram-se entre 30 a 40%.

Face a este cenário, que ganhos tiveram os suecos? De acordo com um estudo da agência sueca para a saúde, em finais de Abril apenas 7,3% dos habitantes de Estocolmo tinham conseguido ganhar anticorpos contra o novo coronavírus, um indicador preocupante para os defensores da teoria da imunidade de grupo, já que as autoridades de saúde esperavam percentagens na ordem dos 25% até 1 de Maio.

Tom Britton, matemático que ajudou a construir o modelo para esta previsão, não escondeu a sua surpresa: “Isto significa que os cálculos feitos pela agência e por mim estão completamente errados, o que é possível, mas se for esse o caso é surpreendente que estejam tão errados, ou então mais pessoas foram infetadas do que anticorpos desenvolvidos”.
O caminho das pedras que levou a lado nenhum

Com a estratégia sanitária a não dar boa conta de si, seria portanto de esperar que nesta bifurcação moderna que se tem apresentado às governações mundiais, houvesse um ganho na dimensão económica do país. Não parece, no entanto, que os dados sejam para já tão evidentes nesse sentido.

Fugir dos confinamentos não terá poupado as contas suecas a um calvário económico. Com o país a arriscar não colher qualquer benefício da estratégia de “laissez-faire”, e apesar de os sectores de retalho e entretenimento não terem sofrido tanto como em outros países, os números de Bruxelas também não são encorajadores. A Comissão Europeia estima que o PIB sueco venha a contrair-se mais de 6% este ano, ainda assim numa perspectiva mais animadora do que aquela do banco central da Suécia, que antevê uma queda de 7 a 10% no PIB, acima da queda do PIB da União (7,5%), e um crescimento do desemprego na ordem dos 10,4%.

Com a Europa paralisada pela pandemia, e não obstante os esforços para manterem a dinâmica interna, 1,5 milhões de suecos têm agora o seu posto de trabalho em perigo, já que o emprego no país depende fortemente dos mercados externos e das exportações. É o caso de empresas como a Volvo e a Scania.

“O pior está para chegar”, admitiu já a ministra das Finanças, Magdalena Andersson.
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