Caso `Teodorin` Obiang impulsiona devolução às populações de bens confiscados em França

por Lusa

A França está a preparar a restituição às populações, através de apoio ao desenvolvimento, de bens confiscados pelo sistema judicial francês a líderes estrangeiros, legislação impulsionada pelo caso do filho do Presidente da Guiné Equatorial, `Teodorin` Obiang.

O Projeto de Lei de Programação para o Desenvolvimento Solidário e a Luta contra as Desigualdades Globais prevê que as receitas de bens confiscados "a pessoas definitivamente condenadas por branqueamento de capitais e apropriação indevida de bens" sejam canalizadas para "financiar ações de cooperação e desenvolvimento".

O diploma deu entrada no parlamento francês em dezembro de 2020 e foi submetido a uma primeira votação a 19 de fevereiro, tendo na ocasião sido aprovada por unanimidade uma emenda que consagra, pela primeira vez, o princípio da restituição dos "ganhos ilícitos" à população dos países espoliados.

Prevê-se que as receitas provenientes de ativos apropriados sejam canalizadas para um fundo de apoio ao desenvolvimento, gerido pela agência de cooperação francesa.

Atualmente, os fundos confiscados, independentemente da natureza da infração e da nacionalidade do condenado, são geridos pela Agência de Gestão e Recuperação de Bens Apreendidos e Confiscados (Agrasc) e adicionados ao orçamento geral do Estado francês.

A votação formal do diploma está agendada para terça-feira, devendo depois subir ao Senado para confirmação.

A legislação francesa foi impulsionada pelo caso que envolveu o vice-presidente e filho do chefe de Estado da Guiné Equatorial,`Teodorin` Obiang, condenado pela justiça francesa a uma pena de prisão suspensa de três anos, uma multa de 30 milhões de euros e a apreensão de bens estimados em 150 milhões de euros.

Malabo denunciou o que considera uma "interferência inaceitável" por parte do sistema judicial francês e, no final de 2020, a Guiné Equatorial recorreu para o Tribunal Internacional de Justiça, o mais alto tribunal das Nações Unidas, onde mantém um braço de ferro com a justiça francesa.

O principal ponto de discórdia é um edifício localizado na Avenue Foch e avaliado em mais de 100 milhões de euros, que a Guiné Equatorial sustenta estar abrangido pela Convenção de Viena, por se tratar de uma representação diplomática.

Lucas Olo, advogado equato-guineense residente em Portugal e coordenador do projeto APROFORT, considerou, em declarações à agência Lusa, que a legislação francesa "é uma solução de meio caminho".

Admitindo que é preciso evitar a devolução dos bens apreendidos às autoridades da Guiné Equatorial, considera, no entanto, que a proposta cria a perceção, nas populações dos países espoliados, que a França "está a fazer caridade com dinheiro alheio".

"Parece que estão a fazer uma coisa positiva, uma doação, quando na realidade estão a fazer justiça", disse, adiantando que existe entre as organizações da sociedade civil da Guiné Equatorial no estrangeiro um debate intenso sobre a forma como a devolução desses bens pode ser feita.

Criar uma organização internacional especificamente para gerir estes fundos, entregar a uma organização já existente ou a uma agência das Nações Unidas são algumas das sugestões em cima da mesa, mas que ainda não conseguiram reunir consenso.

A França surge há anos como destino preferencial para o investimento de dinheiros públicos desviados por familiares e líderes políticos estrangeiros, particularmente africanos.

Desde 2005, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção estabeleceu a devolução de bens desviados como um princípio do direito internacional, mas o Estado saqueado e o Estado recetor têm de concordar.

Em março de 2019, havia registo de 22 casos de ativos obtidos ilegalmente no Ministério Público francês e, no ano passado, teve lugar uma primeira restituição de bens ao Uzbequistão.

O país recuperou 10 milhões de euros da venda de um apartamento de Gulnara Karimova, a filha do ex-presidente Islam Karimov.

Atualmente, estão em curso processo judiciais semelhantes contra antigos ou atuais líderes do Gabão e da República do Congo.

A organização Transparência Internacional França, que esteve envolvida na elaboração da legislação, considerou, citada pelos media franceses, que "com este texto, os deputados têm a oportunidade de dar um duro golpe na grande corrupção internacional, incorporando no direito francês um mecanismo de restituição de bens ilícitos" às populações vítimas de corrupção.

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