Críticas e desilusão. Partidos céticos face ao Plano de Recuperação e Resiliência

por RTP
O primeiro-ministro, António Costa, recebeu delegações dos partidos com assento na Assembleia da República, na residência oficial em São Bento em Lisboa, 21 de setembro de 2020, no âmbito da preparação do Plano de Recuperação e Resiliência Tiago Petinga - Lusa

António Costa apresentou aos partidos com assento parlamentar o Plano de Recuperação e Resiliência, um dos instrumentos do seu Governo para a gestão de parte dos 12,9 mil milhões de euros em subvenções a fundo perdido, disponibilizadas por Bruxelas no âmbito da resposta à crise provocada pela pandemia de Covid-19.

Só 9,1 mil milhões estão já disponíveis e confirmados. Prevê-se que os restantes 2,7 mil milhões estimados sejam alocados em 2022, em função do crescimento económico das diversas economias em 2020 e 2021, revela o documento disponibilizado aos partidos nas reuniões. Os detalhes essenciais do plano podem ser analisados neste artigo.

O primeiro-ministro já disse que quer "um amplo consenso político" em torno deste Plano, baseado na visão estratégica de António Costa e Silva. Sem consenso, alertou António Costa, Portugal vai "desperdiçar o tempo, que não tem para executar a tempo e horas os recursos que nunca mais terá".

O Governo espera que as audições abram a porta a um amplo espectro de contribuições, para uma "resposta às reais necessidades do país", como sublinhou esta tarde o ministro do Planeamento, Nélson de Sousa.

O que o primeiro-ministro obteve, em relação ao esboço hoje apresentado, foi uma reação geral de desânimo. Desde a "oportunidade perdida" dos Verdes ao "vamos voltar ao mesmo de sempre", do Chega, passando pela desvalorização do Bloco de Esquerda, os partidos mostraram-se pouco otimistas.
PSD anuncia plano "alternativo"
O líder dos social-democratas, Rui Rio, criticou a falta de um "apoio claro às empresas, ao investimento privado e à exportação", no plano apresentado.

O PSD, está, aliás, a preparar "um documento alternativo ao do Governo" a apresentar no final deste mês ou princípio do próximo.

O partido tem já ideias claras quanto às prioridades a atribuir à gestão deste "montante excepcional" que vem da Europa. Um programa "desenhado tendo em vista o futuro", disse Rui Rio, cuja "pedra de toque" será a "competitividade da Economia".

O que interessa é conseguir uma "classe média mais robusta". "Quanto mais forte e maior é a classe média, mais desenvolvido é um país", sublinhou Rui Rio.
Rui Rio admitiu que, entre o Plano do Governo e o documento que irá apresentar irá haver alguma "coincidência", até por obrigação de cumprir "diretivas de Bruxelas", e que as propostas do Plano de Recuperação e Resiliência para o setor empresarial terão de ser analisadas, uma vez que não estão "metidas numa gaveta empresas", mas "dispersas".
BE desvaloriza Plano devido a cenário "hipotético"
À saída da reunião com António Costa, o Bloco de Esquerda lembrou que ainda se desconhecem os fundos que vão chegar a Portugal e, portando, "está-se a trabalhar sobre um cenário hipotético que o Governo coloca".

"A União Europeia tem tido muitos anúncios e poucas decisões", considerou Catarina Martins, coordenadora do partido, desvalorizando por isso o debate em torno do documento apresentado esta segunda-feira aos partidos.

O BE preferiu exigir ao primeiro-ministro o cumprimento do Orçamento do Estado relativo a este ano, particularmente no cumprimento do que respeita à contratação de profissionais para o Serviço Nacional de Saúde.

"A preocupação do Bloco de Esquerda é para já, é imediata, é para responder já", frisou, quando questionada sobre se esta questão será central na negociação do próximo OE.
Três condições do CDS
O CDS-PP apresentou "três condições" para apoiar o Plano, explicadas pelo líder centrista Francisco Rodrigues dos Santos.

A primeira, é que "o Estado não pode ficar com a fatia mais significativa destes apoios", desviando-os da economia real e das empresas, "que criam riqueza e postos de trabalho". 

De seguida, o CDS quer uma "reforma do modelo económico e de crescimento do nosso país", pelo que, "este plano não pode ser uma lista de compras e de obras públicas", frisou Rodrigues dos Santos.

O líder dos centristas impôs, enquanto terceira condição, que "a execução e a alocação destes dinheiros" não signifique "uma festa do Bloco Central, sentando à mesa do Orçamento os mesmos de sempre e as empresas que estão no radar dos convites do Governo".
PCP critica "página em branco"
Jerónimo Martins, secretário-geral do PCP, disse que o documento tem uma "página em branco" sobre "a valorização do trabalho e dos trabalhadores", particularmente no que respeita "aos seus salários e os seus direitos".

E, em tempos de Covid-19, reclamou a construção de mais hospitais. 
"Tendo em conta os efeitos da pandemia, tendo em conta problemas estruturais, que já vinham de antes da pandemia, e que hoje estão mais visíveis e expostos", o secretário-geral dos comunistas exigiu mais relevância para a área da Saúde, nomeadamente a construção de hospitais já prometidos "em anteriores propostas de OE" e nunca concretizados.
Classe média "esquecida" indigna-se Chega
Mesmo partidos de sinal contrário, como os Verdes e o Iniciativa Liberal, saíram desiludidos. O Chega frisou que o Plano é "um conjunto de ideias vagas que não permite aos partidos da Oposição fazer o escrutínio que devem fazer"-

Sublinhando que "não há certezas" quando virá o dinheiro prometido por Bruxelas, já que "faltam aprovar normas e regulamentos, pelo Parlamento Europeu e pela Comissão", Ventura criticou ainda o caracter "estanque" do Plano apresentado, sobretudo por "esquecer a classe média, que tem sustentado o país", em favor dos "mesmo de sempre".

"É uma espécie de salvem-se se puderem, porque se não puderem o Estado também não vai estar lá para vos apoiar", afirmou, indignando-se ainda com a atribuição de 500 milhões para as empresas e de 1,8 mil milhões para a Administração Pública. "É bom que os portugueses percebam que há aqui dois países", afirmou o líder do Chega.
Verdes, IL e as oportunidades
O PEV falou numa oportunidade perdida e assumiu-se "preocupado". "Podemos estar perante mais uma oportunidade perdida", disse Manuela Cunha.

"Não foram tiradas as ilações devidas" da pandemia, das suas causas e dos seus efeitos, e a "forma como o mundo tem de promover, e neste caso o nosso país, outras bases de desenvolvimento", acrescentou.
O IL falou numa "oportunidade única" que, acusou, o Governo se prepara para desperdiçar por optar "mais uma vez" por uma gestão "de cima para baixo". "O período que se avizinha, os próximos seis a sete anos, exige execuções anuais na casa dos seis a sete mil milhões de euros", lembrou João Cotrim de Figueiredo.

O líder liberal lamentou que o Governo se prepare para ter "o mesmo tipo de gestão" feita com fundos anteriores, com o "Estado a impor as prioridades, a impor os projetos", em vez de "aproveitar esta oportunidade única para envolver a sociedade portuguesa como um todo", de forma a "alterar de uma vez por todas a estrutura económica e social do país".
"Um modelo económico obsoleto" para o PAN
O porta-voz do PAN considerou por seu lado que "falta uma visão progressista" ao Plano de Recuperação e Resiliência.

André Silva referiu que assenta "num modelo económico obsoleto" de "exploração de recursos num planeta que é finito". Lamentou que não estejam "definidas propostas" quanto ao combate às alterações climáticas, e que o documento seja "insuficiente" quanto à economia circular", porque não tem uma "visão para a redução de resíduos".

O Partido das Pessoas dos Animais de da Natureza "irá dar os seus contributos", prometeu.
Regiões de fora
Durante esta semana, além de proceder à audição dos partidos com representação parlamentar, António Costa reúne-se também com o Conselho Económico e Social e com o Conselho de Concertação Territorial na terça-feira, seguindo-se um debate temático sobre o Plano de Recuperação e Resiliência na quarta-feira na Assembleia da República.

O presidente do Grupo Parlamentar do PSD na Assembleia Legislativa da Madeira, Jaime Flipe Ramos, lamentou entretanto que o primeiro-ministro, António Costa, não tenha ouvido as regiões autónomas sobre o Plano de Recuperação e Resiliência.

"Hoje mesmo temos uma realidade nacional preocupante que é o primeiro-ministro receber os partidos na Assembleia da República para discutir o Plano de Recuperação e não recebe ninguém da Região Autónoma da Madeira", declarou.

A primeira versão do documento será entregue em Bruxelas a 15 de outubro.
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