Dívidas dos países pobres não deixam recursos para o combate à crise climática

por Carla Quirino - RTP
Campanha: "a justiça climática não será possível sem justiça económica e da dívida" Jubilee Debt Campaign - Twitter (DR)

A organização de caridade anti-pobreza, Jubilee Debt Campaign demonstrou num relatório que 34 dos países mais pobres do mundo pagam mais em dívidas do que lhes sobra para aplicarem em ações pro-clima. Esses Estados gastam cinco vezes mais a pagar empréstimos do que despendem a gerir as emissões de carbono.

O ex-presidente das Maldivas, Mohamed Nasheed, em representação do Fórum de Vulnerabilidade ao Clima de 48 países, que abrigam mais de mil milhões de pessoas, disse que muitos países estão a ser oprimidos devido às dívidas externas.

"Estamos tão ameaçados que podemos não ter a ilha ou o chão do país por muito mais tempo, assim dificilmente, poderemos pagar a dívida se não estivermos por cá. Não será, então, razoável para os países vulneráveis às alterações climáticas pedirem aos credores das dívidas que reestruturem os valores a pagar?"
Jubilee Debt Depois da associação Jubileu 2000, os ativistas mantiveram a campanha para que as dívidas externas dos estados com pouca capacidade económica fossem canceladas com o objetivo de reduzir a pobreza.

Entre múltiplas ações, a sucessora Jubilee Debt Campaign destacou-se, em 2010, por ter pedido o cancelamento das dívidas do Haiti depois do grande terramoto que assolou o país. A educação e a justiça climática são os grandes focos da instituição.

"Deixar cair a dívida" é uma das campanhas desenvolvidas pela instituição. Esta ação implica o reconhecimento da dívida climática que o norte tem com os países do sul e a necessidade de financiamento climático suficiente e de qualidade e ainda o cancelamento da dívida.
Não há Justiça Climática sem Justiça da DívidaOs 34 países identificados pela organização, no mais recente relatório, gastam 25,3 mil milhões de euros em pagamentos de dívidas anualmente. Apenas 4,6 mil milhões de euros são aplicados em medidas para reduzir o impacto das alterações climáticas.

Um dos exemplos apontados é o Uganda. Com um orçamento anual de 92,6 milhões de euros, enfrenta uma divida externa de mais de 630 milhões em 2021.

Os empréstimos da década anterior relacionados com adaptação de infraestruturas do país para a redução da peugada carbónica estão a custar agora cinco vezes mais e os juros continuarão a aumentar o valor, afundando ainda mais o país economicamente.

"O Uganda está a intensificar a extração de combustíveis fósseis para pagar a dívida" disse Ausi Kibowa, do Instituto de Negociações e Informações Comerciais da África Meridional e Oriental (SEATINI), com sede no país.

Perante este contracenso, Kibowa acrescenta que "Para enfrentar a injustiça climática, o alívio da dívida deve fazer parte das próximas negociações climáticas da ONU".
Cop26"Os países com baixo rendimentode estão a despender milhões de dólares em pagamentos de dívidas aos países ricos, bancos e instituições financeiras internacionais num momento em que os recursos são desesperadamente necessários para combater a crise climática”, declarou Heidi Chow, diretora executiva da Jubilee Debt Campaign.

"Em Glasgow, na Cop26, as nações poluidoras ricas precisam parar de se esquivar das responsabilidades e fornecer financiamento climático através de donativos, assim como cancelar dívidas" acrescentou Chow.

Desde 2000, diversos organismos internacionais, incluindo o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), incentivaram os países em desenvolvimento a usar empréstimos e títulos bancários para a financiar projetos que promoviam melhorias nas condições de vida das populações.

Os países que contraíram estas dívidas esperavam que as taxas de juros caíssem com o tempo, à medida que se tornassem confiáveis para fazer os reembolsos regulares.

Mas a realidade revelou-se contrária às espectativas e os estados mais pobres passaram a pagar regularmente mais de 10 por cento de juros sobre os empréstimos, em comparação com uma média de 1,5 a 2,5% paga pelos países ricos.

O relatório da organização, que defende o cancelamento da dívida pela justiça climática, também sublinha que os valores dos gastos efetivos em medidas pró-clima podem não corresponder à realidade: "só porque um país disse que planeava gastar dinheiro na adaptação às mudanças climáticas, não significa que o tenha feito".
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