Domingues diz que avisou Centeno de que não aceitava entregar declarações no TC

por RTP
Nuno Fox - Lusa

Lisboa, 28 abr (Lusa) - O anterior presidente da Caixa Geral de Depósitos afirmou hoje que, antes de aceitar o cargo, alertou o ministro das Finanças de que não aceitava ficar sujeito ao Estatuto do Gestor Público nem à entrega de declarações no Tribunal Constitucional.

Em audição na segunda comissão de inquérito sobre a Caixa Geral de Depósitos (CGD), que tem por objeto avaliar a atuação do atual Governo na nomeação e demissão da sua anterior administração do banco público, António Domingues foi questionado pelo deputado do PSD Marques Guedes se aceitava a versão apresentada pelo Governo para a sua demissão, que segundo o social-democrata fez dele "o vilão e o mau da fita".

António Domingues fez o enquadramento do convite que lhe foi dirigido pelo ministro das Finanças, Mário Centeno, para liderar a Caixa há cerca de um ano e um mês, e elencou as condições que colocou ainda antes de aceitar o cargo.

"A primeira é que eu não aceito ir para a Caixa se for com o estatuto do gestor público; em segundo lugar, entendo que as obrigações de divulgação da informação patrimonial que estão associadas, as obrigações declarativas, são um problema", recordou.

"Não me apetece muito divulgar o meu património e da minha família. Estou de acordo que deve haver fiscalização apertada da administração, mas penso que isso se faz de outra maneira", disse, lembrando que quando as declarações de património e rendimentos são entregues no TC são públicas.

Dizendo que "no seu juízo" essas condições foram aceites pelo ministro das Finanças e pelo secretário de Estado do Tesouro, Ricardo Mourinho Félix - os seus interlocutores em todo o processo - , António Domingues admitiu ter ficado "surpreendido e perplexo" quando, no final de outubro, se colocou a questão de os administradores da Caixa terem de entregar as declarações de património e rendimento no Tribunal Constitucional (TC).

"Os novos administradores da Caixa não eram gestores públicos e portanto não estavam obrigados a entrega de declarações de rendimentos e foi com enorme surpresa que vi a questão ser suscitada", declarou.Não teve acesso a informação privilegiada

António Domingues, garantiu hoje que não teve acesso a informação privilegiada antes de assumir a liderança do banco estatal a 31 de agosto de 2016, corroborando a versão do Governo.

"Teve acesso a informação privilegiada antes de entrar em funções na CGD", questionou o deputado socialista João Paulo Correia.

"A resposta é não. Não precisava de ter informação privilegiada para desenvolver o trabalho que tinha que fazer", afirmou Domingues durante a sua audição na nova comissão parlamentar de inquérito à CGD.

E realçou: "Só teria informação privilegiada se a administração que lá estava me desse. E, se tivesse acontecido, a falha não era minha".

Esta questão fez correr 'muita tinta' ao longo do ano passado, com os partidos da oposição (PSD e CDS) a acusarem várias vezes Domingues, que era vice-presidente do Banco BPI antes de aceitar o convite do Governo socialista para liderar o banco público, de ter tido acesso a informação privilegiada.

No entender da direita, só assim Domingues teria capacidade para desenhar o plano de reestruturação da CGD, cujo eixo central assentou na recapitalização acima de 5 mil milhões de euros.


Já no final de novembro do ano passado, perante a insistência da oposição sobre esta matéria, o Governo tinha negado que António Domingues estivesse na posse de informação privilegiada sobre o banco estatal quando participou, como convidado, em três reuniões com a Comissão Europeia para debater a recapitalização do banco, a 24 de março, 07 de abril e 15 de junho de 2016.

Esta é a primeira audição desta comissão de inquérito, pedida potestativamente (de forma obrigatória) por PSD e CDS-PP, que tem como um dos pontos centrais apurar se "é verdade ou não que o ministro [das Finanças] negociou a dispensa da apresentação da declaração de rendimentos [de António Domingues]", o que tem sido negado por Mário Centeno. CGD corria risco de resolução em 2016O ex-presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD), António Domingues, afirmou hoje que a aprovação por Bruxelas da recapitalização sem ajuda de Estado foi determinante para impedir que o banco estatal fosse alvo de uma medida de resolução em 2016.

"Hoje, já posso falar sobre isso à vontade. Posso dizer que a CGD podia entrar num cenário de 'bail in', em resolução. Se, por ventura, não fizesse a recapitalização sem ajuda de Estado", afirmou o gestor durante a sua audição na nova comissão parlamentar de inquérito sobre o banco estatal.

Domingues apontou para a possibilidade de, nesse caso, ser feito um 'hair cut' [desvalorização] da dívida subordinada e da dívida sénior, e até de ações.

"Imagine-se um banco do Estado, com quota de 30%, ser alvo de resolução em 2016. Era péssimo. Fiz tudo o que estava ao meu alcance para impedir que isso acontecesse", destacou.

E acrescentou: "A não recapitalização da CGD nos termos em que foi feita seria um enorme obstáculo também para a recapitalização do resto do setor. Para o país, não sei o que podia acontecer se víssemos a CGD a entrar em resolução. Esse era o quadro que havia".

c/Lusa

Tópicos
pub